Abaporu | 2010 

Detalhes / OBRA DE ARTE


Título: Abaporu

Criador: Alexandre Mury

Data de criação: 2010

Tipo: fotografia

Meio: C-print (impressão cromogênica)


Período da Arte: Contemporâneo

Movimento/Estilo: Arte Conceitual, Arte Performática

Assunto: autorretrato, homem nu, cacto, sol, efeito lens flare, movimento antropofágico.

Obras Relacionadas: "Abaporu" (1928), Tarsila do Amaral

Artistas Relacionados: Tarsila do Amaral



  Palavras-chave

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Procedência: Coleção Gilberto Chateaubriand, MAM Rio
Direitos: © Alexandre Mury
Fotografia contemporânea inspirada na icônica obra Abaporu, de Tarsila do Amaral. A imagem retrata um homem nu, de pele clara, cabelos castanhos escuros e barba cerrada, sentado sobre um pequeno monte de terra avermelhada. Suas pernas estão dobradas, com os pés firmemente apoiados no solo. O ângulo reto da câmera preserva a proporção natural do corpo, sem reproduzir a distorção estilizada dos membros inferiores e superiores que caracteriza a figura original de Abaporu. O homem apoia a cabeça sobre a mão esquerda, exibindo uma expressão contemplativa e um olhar distante.  Ao fundo, um céu azul profundo domina a cena, degradando suavemente para tons amarelados à medida que encontra o horizonte, criando um efeito visual de transição suave. O sol brilha intensamente logo atrás, entre a cabeça do modelo e um cacto, produzindo um efeito de estrela com raios difusos que acrescentam dramatismo à composição. À direita da imagem, um grande cacto escuro se ergue em contraluz, reforçando a conexão com o imaginário tropicalista e o contexto da obra original. No primeiro plano, pequenos galhos secos e folhas espalhadas pelo solo adicionam textura ao terreno. Já no segundo plano, atrás do modelo, a área sombreada destaca mato e arbustos de folhagem rarefeita, conferindo maior profundidade de campo à cena.  A fotografia recria a atmosfera de Abaporu por meio de uma abordagem expressiva distinta, combinando a luz natural intensa com o uso de flash para compensar o efeito de contraluz, acentuando os contornos do corpo e os contrastes do ambiente árido. A releitura mantém a essência da brasilidade e do modernismo de Tarsila, reinterpretando sua estética em um contexto contemporâneo e fotográfico.
Título da obra: AbaporuCriador: Alexandre MuryData de criação: 2010Fotografia / Autorretrato performático© Alexandre Mury
Releitura da obra icônica da artista Tarsila do Amaral.A fotografia está no acervo de duas coleções importantes: MAM-RJ e Museu da Fotografia Fortaleza.

A Releitura do Abaporu por Alexandre Mury: Uma Reflexão Crítica sobre Identidade, Modernidade e a Linguagem da Arte 


Ao utilizar a fotografia – um meio que, por sua natureza, registra a realidade com uma literalidade que difere da estilização modernista –, o artista desloca o sentido da obra original, evidenciando os mecanismos de construção simbólica que conferem a um objeto o status de ícone. Se o Abaporu de Tarsila adquiriu notoriedade tanto por sua qualidade plástica quanto por sua superexposição, a releitura de Mury questiona as estruturas de poder que determinam quais imagens se tornam representações hegemônicas da cultura nacional.


Além disso, sua obra insere-se em um movimento crítico que problematiza o engajamento automático e a sacralização da arte. Ao revisitar um trabalho amplamente reconhecido, Mury não apenas evoca sua fama, mas revela como a repetição e a citação de ícones visuais podem reforçar ou subverter narrativas estabelecidas. O caráter crítico dessa apropriação reside justamente na tensão entre reverência e desconstrução.



Autofagia: O Corpo e a Paisagem no Imaginário Brasileiro


Se o modernismo antropofágico de Oswald de Andrade propunha a assimilação criativa das influências externas, a obra de Mury parece operar uma autofagia: um processo em que a cultura nacional consome e ressignifica a si mesma. O corpo do artista, inserido na paisagem fotografada, não apenas remete ao Abaporu, mas também se apropria de um contexto regional específico que desafia as generalizações sobre a identidade nacional.


Embora a imagem tenha sido captada no Sudeste, sua ambientação evoca o sertão, um bioma associado a um imaginário visual que remete tanto ao regionalismo quanto à precariedade. Aqui, Mury desloca sutilmente o foco do nacional para o local, evidenciando como a construção de símbolos culturais frequentemente exclui ou simplifica nuances territoriais. A terra avermelhada, os galhos secos e a vegetação esparsa oferecem uma precisão documental que contrasta com a estilização modernista de Tarsila, revelando uma paisagem menos idealizada e mais ancorada em uma realidade geográfica e histórica.


Ao tensionar essa relação entre corpo e ambiente, Mury questiona os discursos essencialistas que permeiam a arte e a identidade brasileira, trazendo à tona a materialidade do território e sua influência na constituição do imaginário visual.



A Nudez: Entre a Iconicidade e a Vulnerabilidade


Na obra original de Tarsila, a nudez do Abaporu é estilizada, distorcida por um tratamento plástico que a afasta de qualquer conotação realista ou erótica. Em Mury, a nudez assume uma dimensão performática e autorreferente, pois não se trata de um corpo genérico, mas do corpo do próprio artista.


Aqui, a ausência de vestes não apenas reforça o vínculo entre o indivíduo e a terra, mas também evidencia a vulnerabilidade do corpo humano diante do ambiente árido. O contato direto com o solo, o calor do sol e a presença de elementos naturais como o cacto criam um contraste entre resistência e fragilidade, reforçando a dualidade entre a força simbólica da imagem e a corporeidade tangível da performance.


Além disso, o posicionamento do corpo – com a cabeça apoiada sobre a mão – remete a arquétipos clássicos da introspecção, como O Pensador de Rodin, ampliando a leitura da obra para além das questões de identidade nacional. Esse gesto sutil desloca o sentido da imagem do campo alegórico para o psicológico, introduzindo uma subjetividade que não estava presente na obra modernista.



Uma Reflexão sobre Arte e História


A releitura de Abaporu por Alexandre Mury transcende a mera apropriação e se configura como um sofisticado exercício de antropologia visual. Ao tensionar tradição e contemporaneidade, ícone e crítica, homenagem e subversão, sua obra questiona os regimes de visualidade que moldaram a arte brasileira e como se constrói o imaginário nacional.


Se Tarsila do Amaral contribuiu para um modernismo que buscava definir a brasilidade através da síntese e da estilização, Mury propõe uma abordagem que, ao invés de fixar significados, expande as possibilidades de interpretação. Sua fotografia não apenas revisita um marco da história da arte, mas também reflete sobre os modos pelos quais continuamos a ver e representar o Brasil.

Entre o Ícone e o Corpo: Performatividade e Política do Sensível na Releitura do Abaporu


A releitura do Abaporu por Alexandre Mury transcende o gesto de uma simples homenagem ou citação visual ao modernismo brasileiro. Trata-se de uma operação crítica que, ao deslocar o ícone para o campo da performance, ativa um espaço de tensão entre tradição e contemporaneidade, entre identidade e devir, entre o corpo e o signo. O corpo do artista emerge não como suporte da obra, mas como um agente disruptivo que interroga as estruturas normativas da arte e da representação.


A performatividade do corpo em Mury encontra ressonância na teoria de Judith Butler, para quem a identidade não é uma essência fixa, mas um constructo em constante mutação, produzido por atos repetidos e discursos que podem ser resignificados. O corpo performático não é um dado natural; é um campo de forças, um espaço de disputa simbólica e política, onde as categorias de gênero, sexualidade e identidade cultural são constantemente reconfiguradas. Nesse sentido, ao utilizar seu próprio corpo para reconfigurar o Abaporu, Mury não apenas questiona o legado modernista, mas também inscreve sua própria corporeidade em um jogo de significantes que desafia a estabilidade da imagem original.


Complementando essa perspectiva, Erika Fischer-Lichte propõe uma compreensão da performance como uma experiência estética que transcende a dicotomia entre sujeito e objeto. Para a autora, a performance é um evento efêmero que transforma o corpo em um meio expressivo capaz de gerar significados em constante fluxo. O corpo de Mury, ao se tornar o Abaporu, não está apenas representando algo: ele é o próprio acontecimento artístico, uma presença que desafia o espectador a reconsiderar o que vê, a partir da relação entre presença física e construção simbólica.


Gilles Deleuze e Félix Guattari ampliam essa discussão ao introduzirem a noção de "corpo sem órgãos" e "corpo em devir". Para eles, o corpo não é uma entidade fechada, mas um campo de potências que se atualizam através de linhas de fuga, de processos de desterritorialização. O Abaporu de Mury é um corpo em devir porque não se fixa em uma identidade ou forma definitiva. Ele é, simultaneamente, o eco de um passado modernista e a irrupção de uma nova corporeidade que não se deixa capturar por categorias estáticas.


Por fim, Jacques Rancière oferece uma chave para compreender o caráter político dessa operação artística. Sua teoria da "política do sensível" sugere que a arte tem o poder de redistribuir o que pode ser visto, dito e pensado. Ao colocar seu próprio corpo no centro da composição, Mury não está apenas ressignificando um ícone da arte brasileira; ele está reconfigurando o próprio regime do visível, questionando quem pode ocupar determinados espaços simbólicos e quais corpos são considerados legítimos na história da arte.


Assim, a obra de Alexandre Mury não é um simples "retorno" ao Abaporu, mas um ato performático que encarna uma série de deslocamentos críticos. Nela, o corpo é tanto meio quanto mensagem, tanto presença quanto fissura, desafiando o espectador a transitar entre o reconhecimento e o estranhamento, entre a memória e o devir.



  • Butler, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge, 1990.
  • Butler, Judith. Bodies That Matter: On the Discursive Limits of “Sex”. New York: Routledge, 1993.
  • Fischer-Lichte, Erika. The Transformative Power of Performance: A New Aesthetics. New York: Routledge, 2008.
  • Deleuze, Gilles; Guattari, Félix. Mille Plateaux: Capitalisme et Schizophrénie 2. Paris: Éditions de Minuit, 1980. [Tradução em português: Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia, São Paulo: Editora 34, 1995.]
  • Rancière, Jacques. Le Partage du Sensible: Esthétique et Politique. Paris: La Fabrique, 2000. [Tradução em português: A Partilha do Sensível: Estética e Política, São Paulo: Editora 34, 2005.]
  • Rancière, Jacques. O Espectador Emancipado. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

ACERVO DE IMPORTANTES COLEÇÕES

Link

 Mostra Novas Aquisições 2010 – 2012  Coleção Gilberto Chateaubriand, MAM-RJ

A mostra “Novas Aquisições 2010 – 2012″, Coleção Gilberto Chateaubriand, MAM-RJ, apresentou parte das 195 aquisições da coleção no período de abril de 2010 a março de 2012, revelando as tendências da arte contemporãnea nacional. Os artistas recém integrados à coleção representam um panorama do pensamento e o olhar de Gilberto Chateaubriand sobre a arte brasileira, uma celebração vigorosa do colecionador na busca de novos artistas nas diversas regiões do país. Cedida em comodato ao MAM, a Coleção Gilberto Chateaubriand oferece um panorama da arte brasileira.

O "Abaporu" de Alexandre Mury, 2012ao lado da obra "Mulata com leque", 1937de Emiliano Di Cavalcanti, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio).

"Inserimos algumas obras já referenciais no meio da exposição, e levamos alguns “novos” para dentro de “Genealogias do Contemporâneo”, a mostra permanente do Museu. A ideia é repetir nestas "Novas Aquisições" os núcleos temático-conceituais que recortam a exposição principal do museu, e que reúnem nossas referências modernas e contemporâneas."  

Luiz Camillo Osorio (curador)

"Certas questões – relativas à identidade brasileira, à nossa conflituosa sociabilidade, ao lugar do corpo e da tradição construtiva – se articulam e se renovam em momentos distintos da nossa história da arte. (...) Muitos dos artistas hoje canônicos foram em outro momento, no começo da própria coleção, parte de novas aquisições. Além disso, de forma cada vez mais rápida o artista contemporâneo é legitimado institucionalmente e faz parte das coleções dos museus. "  

Luiz Camillo Osorio (curador )

Referência

Repercussão

O GloboSegundo Caderno | Gente Boa 23/03/2012 
TV UolSegundo Caderno
O GloboRio Show
Revista História
RG - PORTAL TERRAARTE | entrevista 23/03/2012 
O GloboSegundo Caderno | Gente Boa 23/03/2012 
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