Detalhes / OBRA DE ARTE
Título: Madril
Criador: Alexandre Mury
Data de criação: 2015
Tipo: fotografia
Meio: C-print (impressão cromogênica)
Período da Arte: Contemporâneo
Movimento/Estilo: Arte Conceitual, Arte Performática
Assunto: autorretrato, releitura, pintura corporal, caracterização
Obras Relacionadas: Mandril, 1909
Artistas Relacionados: Henri Rousseau
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A obra "Mandril" (2015) de Alexandre Mury apresenta uma complexa reflexão sobre identidade, natureza humana e nossa relação com o mundo animal. Através de uma performance que utiliza seu próprio corpo como tela, o artista desenvolve um diálogo profundo com a história da arte e questões contemporâneas sobre representação e alteridade.
Na performance, Mury utiliza técnicas de pintura corporal para transformar-se em um mandril, primata conhecido por sua coloração facial vibrante. A escolha deste animal não é casual - ela estabelece conexões diretas com importantes referências artísticas, particularmente a obra "Mandrill in the Jungle" (1909) de Henri Rousseau. O artista reconstrói cuidadosamente o ambiente natural do mandril utilizando plantas ornamentais de sua própria casa, criando um cenário que, embora construído com elementos reais, evoca o mesmo exotismo imaginário presente na obra de Rousseau.
A obra de Mury se insere em uma rica tradição de representações antropomórficas na arte. Esta tradição inclui obras significativas como "Le Singe Peintre" de Chardin, onde o macaco-artista funciona como uma reflexão irônica sobre a prática artística e as convenções acadêmicas. Da mesma forma, as representações do Minotauro por Picasso exploraram a dualidade entre humano e animal, questionando noções tradicionais de bestialidade e monstruosidade.
A abordagem de Mury vai além da simples representação, transformando-se em uma performance que questiona os limites entre sujeito e objeto artístico. Ao encarnar o mandril, o artista não apenas homenageia a tradição do antropomorfismo, mas a subverte ao inserir-se diretamente na narrativa. A expressão facial deliberadamente melancólica que adota durante a performance desafia a distinção tradicional entre emoções humanas e animais, sugerindo uma continuidade entre estas duas naturezas.
É importante notar que, historicamente, representações antropomórficas nem sempre foram inocentes. Frequentemente, foram utilizadas para reforçar estereótipos raciais e de gênero prejudiciais. A obra de Mury demonstra consciência desta problemática, oferecendo uma crítica reversa que questiona tanto a humanização dos animais quanto a animalização dos humanos.
A transformação física de Mury em mandril pode ser interpretada como uma metáfora da fluidez identitária contemporânea. Assim como o artista pode assumir a forma de um animal, a obra sugere que as identidades humanas são igualmente maleáveis e multifacetadas. Esta abordagem cria uma tensão produtiva entre o real e o representado, convidando o espectador a questionar suas próprias noções de identidade e alteridade.
"Mandril" se destaca como uma obra que sintetiza múltiplas tradições artísticas enquanto propõe questões contemporâneas urgentes. Através de sua abordagem, Alexandre Mury demonstra a dedicação laboriosa na fusão entre técnica e conceito, capaz de dialogar com a tradição enquanto a renova. A obra convida o espectador a uma reflexão profunda sobre as fronteiras entre humano e animal, identidade e representação, tradição e inovação na arte contemporânea.
O artista pinta aqui, o que é considerado um autorretrato simiesco emergindo de uma vegetação densa e vigorosa. Muito de todo exotismo da rica vegetação é imaginário e estilizado, retirado de ilustrações e revistas botânicas da época.
Mas foi a observação da realidade que inspirou o artista a criar este retrato; Rousseau praticamente nunca saiu de Paris. Numa das visitas que fez ao "Jardin des Plantes" (Jardim Botânico de Paris), Henri Rousseau viu, pela primeira vez, o macaco Mandril apelidado de "Boubou".
Oskar Kokoschka se dizia “expressionista porque não sabia fazer outra coisa senão expressar a vida”. Quando ele pintou o mandril no zoológico de Londres, ele devolve o sentido de 'liberdade' do animal enfatizando a sua natureza selvagem e indomável. Nada nesta pintura faz você pensar em pequenas gaiolas e grades grossas. A conexão que o artista sentiu com a criatura, identificando-se com sua ânsia por estar só, talvez uma busca pela liberdade interior.
Kokoschka comentou: "Quando eu o estava pintando, vi que este é um sujeito selvagem e isolado, quase como uma imagem espelhada de mim mesmo. Alguém que quer ficar sozinho." Essas palavras refletem a conexão que o artista sentiu com a criatura, identificando-se com sua ânsia por estar só, talvez uma busca por liberdade e autenticidade.
Autodidata, Rousseau expôs suas pinturas em várias exposições independentes em Paris e tornou-se uma importante influência para artistas de vanguarda, que apreciavam a simplicidade de sua visão, muitas vezes descrita na época como “primitiva”. Pablo Picasso era um fã particular e possuía várias das obras de Rousseau.
Portanto, embora Picasso e outros possam ter zombado inicialmente de Henri Rousseau, essa atitude evoluiu para um respeito e admiração genuínos pela contribuição artística do "le Douanier".
Russeau conhecido como "Le Douanier" (funcionário da alfândega) era um "pintor de domingo" que pintava quando tinha tempo livre do trabalho. Ele pediu demissão aos quarenta anos, para se dedicar à pintura; autodidata, sem dinheiro para aulas de arte, foi ao Louvre, observou as pinturas de seus artistas favoritos, aprendia examinando fotografias, folheando revistas e consultando catálogos.
Henri Rousseau, artista naïve, é frequentemente considerado um precursor do movimento surrealista. O próprio André Breton, o escritor e poeta que cunhou o termo "surrealismo" e foi um dos principais líderes do movimento, incluiu Rousseau no primeiro Manifesto Surrealista de 1924 e organizou uma retrospectiva de suas obras em 1927.
Picasso, juntamente com outros artistas da vanguarda parisiense, inicialmente ridicularizava o trabalho de Henri Rousseau. Na época, o estilo de Rousseau era considerado ingênuo e fora das convenções artísticas dominantes. Os críticos de arte e os artistas modernistas, incluindo Picasso, achavam sua técnica simplista e sua representação da natureza exótica e selvagem como algo cômico e primitivo.
O fauvismo, o primeiro movimento do século XX na arte moderna, aproxima Rousseau, cujo trabalho parecia intimamente relacionado à arte "primitiva" que estava se tornando popular entre muitos membros da vanguarda. A esse respeito, o fauvismo provou ser um importante precursor do cubismo e do expressionismo, bem como futuros modos de abstração.
Embora o estilo seja claramente picassiano, com suas formas distorcidas e angulares, algumas características do retrato, como as formas planas e a expressão serena do Minotauro, podem ser associadas à influência de Rousseau.
Nesta pintura, o Minotauro é quase humanizado, embora de coloração avermelhada, também lembre um demônio; Picasso enfatiza as proporções humanas preservadas na representação de uma cabeça escultural presa a um suporte.
Conforme explicado nas Metamorfoses de Ovídio, entre outras fontes, o Minotauro era um ser meio homem e meio touro, nascido da união bestial entre Pasiphae, esposa do rei Minos, e um touro.
Picasso se autodenominava "Le Minotaure" (O Minotauro), referenciando a figura mitológica grega. Essa autorepresentação simbólica refletia sua visão de si mesmo.
Picasso estava ciente de que, para os membros do movimento surrealista, o minotauro simbolizava os aspectos duais da natureza humana: o racional e o irracional, a mente consciente e a inconsciente.
Esses autorretratos como Minotauro são considerados marcos significativos na obra de Picasso, pois revelam sua capacidade de explorar e transgredir os limites da representação tradicional da figura humana, fundindo realidade e mitologia de forma inovadora.
Picasso explorou o tema do touro em diversas formas ao longo de sua carreira, desde representações mais realistas até interpretações abstratas. Picasso apresenta a bestialidade como um aspecto da arte, através do touro; evocando força, virilidade, agressividade e primalidade.
Pablo Picasso apodera-se do polimorfo minotauro para fazer dele o seu duplo fantasioso. Ele se apropriou do mito dando-lhe a forma em constante evolução do autorretrato.
Picasso realizou uma série de autorretratos nos quais se retratou como o Minotauro, fundindo sua imagem com a cabeça de um touro. A fusão do seu próprio rosto com a cabeça de touro representa uma expressão de suas emoções e identidade artística.
Os Potamoi, na mitologia grega, eram considerados divindades que personificavam os rios, cada um representando um rio específico. O Deus-Rio foi frequentemente representado em três formas distintas: como um touro com cabeça de homem; um homem com chifres de touro e cauda de peixe serpentina no lugar das pernas; ou ainda como um homem reclinado com o braço apoiado sobre uma jarra, derramando água.
Aqueloos - filho de Oceano e Tétis considerado deus das águas doces e pai das ninfas - aqui em forma de touro androcefálico. Achelous, na mitologia grega, é conhecido principalmente como o deus do maior rio da Grécia, o rio Achelous, que ainda hoje flui. Ele é um dos Potamoi, ou deuses do rio, e é frequentemente descrito como um homem poderoso e barbudo com o torso de uma serpente ou às vezes com uma cabeça de touro, significando sua força e poder.
A imagem do Minotauro pode variar de acordo com as diferentes interpretações artísticas dessa figura mitológica ao longo dos séculos.
Rubens exibe virtuosidade narrativa e imaginativa ao remover o minotauro do cânone monstruoso, para apresentar uma versão muito mais gentil do mito. O episódio retratado é baseado na obra do poeta Ovídio, "Metamorfoses", sobre a construção do labirinto.
Na obra de Ovídio, o relato do Minotauro não descreve qual metade era touro e qual metade homem. Várias versões posteriores mostram a cabeça e o torso de um homem no corpo de um touro. O bucentauro é o reverso da configuração Clássica, lembrando um centauro.
Embora Rubens e outros artistas anteriores possam ter representado o Minotauro com cabeça humana, é plausível supor que a reinvenção do mito pelo próprio Picasso tenha tido um impacto significativo nas interpretações subsequentes, incluindo a de Matisse e Jean Cocteau.
Picasso, com suas múltiplas abordagens do Minotauro, explorou a dualidade entre o humano e o animal, desafiou as convenções estabelecidas e questionou as noções tradicionais de monstruosidade.
Charles Le Brun foi um pintor francês, teórico da arte e diretor de várias escolas de arte de seu tempo. Nestas gravuras Le Brun ilustra sua suposição de que os traços de caráter humano podem ser lidos examinando um indivíduo e decidindo com qual cabeça de animal seu rosto mais se parece.
Embora os desenhos tenham sobrevivido, os detalhes de sua teoria só sobreviveram por meio de trabalhos posteriores que reinterpretaram o que ele havia dito. O interesse do início do século 19 nesta obra teria sido alimentado pelos campos pseudocientíficos, mas para o olho moderno as imagens lembram o trabalho dos surrealistas do século 20.
Enquanto os homens-animais aparecem hoje como abominações caprichosas, estas imagens serviram para reforçar a noção, muitas vezes perigosa, pois foram usados, assim como as descrições fisionômicas que povoaram a arte e a literatura, para apoiar sinistros estereótipos raciais e de gênero.
"Io + gatto" (1932) de Wanda Wulz é uma obra marcante que exemplifica a interseção entre o surrealismo e a experimentação fotográfica do início do século XX. Wulz, uma fotógrafa italiana associada ao movimento futurista, criou essa composição única ao sobrepor dois negativos - um de seu próprio rosto e outro do rosto de um gato - numa única impressão em gelatina de prata.
A obra é um exemplo precoce da manipulação fotográfica que viria a ser explorada extensivamente por artistas no final do século XX e início do XXI. Além disso, a fusão de imagens para criar novos significados abriu caminho para a fotografia surrealista e conceitual, influenciando gerações de fotógrafos e artistas visuais.
Savinio muitas vezes incluía a representação de figuras híbridas, combinando elementos humanos e animais de maneiras inesperadas e fantásticas. Savinio explorava temas como a natureza dual da existência humana, os mistérios da mente e a complexidade das emoções humanas.
Savinio era irmão mais novo do famoso pintor de Chirico, ambos exploravam o mundo da psique humana, da memória, do sonho e da imaginação em seus próprios termos, contribuindo para o desenvolvimento de uma estética que influenciaria artistas surrealistas e outros movimentos artísticos do século XX.
A partir do início da década de 1980, em colaboração com pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Burson começou a produzir retratos compostos gerados por computador.
Nesta imagem, Nancy Burson combinou o rosto de um homem com o de um chimpanzé. Não é uma imagem cientificamente precisa da evolução, mas um retrato imaginário que liga os humanos a um dos seus antepassados genéticos.
Desde o início, o trabalho de Burson foi conceitualmente desafiador, pois abordou questões não apenas relativas à ciência, mas também à raça, à biologia, à política, à ética e muito mais.
"Le Singe Peintre" pode ser interpretado como uma forma indireta de autorretrato. Embora a imagem não seja uma representação literal de Chardin, ela pode ser vista como uma metáfora para a prática artística e, por extensão, como uma reflexão sobre sua própria posição e atividade como pintor. Ao retratar um macaco em trajes de pintor, Chardin poderia estar expressando uma autocrítica velada, refletindo sobre a natureza da criação artística e as expectativas e pressões que os artistas enfrentam.
Chardin era conhecido por seu uso sutil de humor e ironia. Retratar um macaco como pintor é uma forma espirituosa de questionar a seriedade da prática artística e a pretensão que pode acompanhar a profissão. Chardin vivia em uma época em que a arte acadêmica e a técnica meticulosa eram altamente valorizadas. Suas pinturas de macacos servem como uma sátira dessas convenções, sugerindo que a verdadeira arte vai além da mera técnica e imitação. Ao utilizar macacos em papéis humanos, Chardin explora a ideia de que a imitação sem compreensão é inútil, um comentário que se aplica tanto ao campo da arte quanto à sociedade em geral.
O trabalho de Borremans carrega uma melancolia e ironia profundas, traços que ele admira em Chardin. Essa dualidade reflete uma visão cínica do mundo da arte, onde a seriedade do ofício é misturada com uma risada amarga. O uso de tais elementos sugere uma crítica à superficialidade e ao esgotamento emocional que o artista contemporâneo pode sentir, ecoando a saturação de temas e estilos na pintura.
A obra de Michaël Borremans, particularmente "The Monkey", é rica em camadas de significado. Ela não só aborda a condição do artista e a história da arte, mas também oferece críticas sociais, explora a memória e o sentimentalismo, e desafia a percepção da realidade.
Os autorretratos de Freud traçam a evolução de seu desenvolvimento artístico: de seus primeiros trabalhos lineares e gráficos ao estilo mais carnudo e pictórico que se tornou a marca registrada de sua produção posterior.
Lucian Freud, talvez se sinta incompreendido, imaginando-se como o mitológico Actaeon, que foi transformado em um cervo e devorado por seus próprios cães de caça. Neste autorretrato Freud deixa evidente que sua arte exploram sua própria psicologia e autoconsciência.
Lucian Freud era neto de Sigmund Freud, essa conexão familiar não apenas desperta interesse, mas também traz um contexto interessante para a análise da obra. Os olhares inflexíveis de Freud sobre si mesmo" são imagens do próprio ego.
Nesta série, Sherman explora elementos sombrios e perturbadores dos contos de fadas tradicionais, subvertendo as narrativas clássicas através de autorretratos fotográficos. Este trabalho de Sherman não se relacione obviamente com nenhum conto de fadas específico, nesta fotografia, a artista se apresenta usando uma prótese que imita um focinho de porco, mas de uma maneira grotesca e inquietante. A transformação do rosto humano em animal através da prótese cria uma imagem híbrida que questiona as fronteiras entre o humano e o animal.
A artista utiliza próteses, maquiagem e figurinos elaborados para criar suas transformações, uma marca registrada de seu trabalho. Esta série específica de Sherman reflete seu interesse contínuo em questionar estereótipos. Ao distorcer as narrativas familiares dos contos de fadas através destas imagens perturbadoras, ela nos força a repensar como estas histórias moldam nossa compreensão de identidade e gênero.
Os "Fairy Tales" também são os primeiros trabalhos que vão além dos estereótipos contemporâneos de mulheres, explorados anteriormente em Film Stills, Rear Screen Projections, Centerfolds e Fashions. Com esta série. Ela salta sobre o tempo e o espaço e, pela primeira vez, ultrapassa os limites do masculino e feminino, do humano e do animal. A fotografia faz parte da fase da carreira de Sherman onde ela começou a incorporar elementos mais surreais e grotescos em seu trabalho, se afastando das referências mais diretas à cultura pop de suas séries anteriores.
O artista pernambucano Rodrigo Braga é filho de biólogos; passou a infância acompanhando os pais em laboratórios e pesquisas de campo. Em "Fantasia da Compensação", apresenta fotos de uma falsa cirurgia, na qual ele próprio teria recebido implante da face de um cão.
A fotografia simula uma cirurgia plástica, são efeitos digitais que sobrepõem o focinho e partes de pele ao redor dos olhos e orelhas de um cão rottweiler.
A cirurgia em parte foi verdadeira. Médicos da Escola Veterinária fizeram os implantes das estruturas de tecidos moles da cara do cão no rosto da cabeça artificial moldada a partir da fisionomia de Braga.
A artista Kate Clark utiliza a técnica da taxidermia para criar estranhas criaturas híbridas, verdadeiros animais humanizados. Criações surreais e perturbadoras, cujos rostos humanos nos confrontam com a nossa própria humanidade, mas também com a nossa relação com a natureza e os animais.
A pele de animal selvagem é costurada à mão sobre um rosto humano esculpido. Clark enfatiza as costuras para que os rostos sejam obviamente reconstruídos. Kate Clark, que integra perfeitamente corpos de animais com rostos humanos para investigar não só as características que nos distinguem do reino animal, e, principalmente, as que nos unem.