Laocoonte e seus filhos | 2010
Detalhes / OBRA DE ARTE
Título: Laocoonte e seus filhos
Criador: Alexandre Mury
Data de criação: 2010
Tipo: fotografia
Meio: C-print (impressão cromogênica)
Período da Arte: Contemporâneo
Movimento/Estilo: Arte Conceitual, Arte Performática
Assunto: fotografia de autorretrato, releitura, dramatização,
Obras Relacionadas: Laocoön and His Sons, Laocoonte e seus filhos, também conhecido como Grupo de Laocoonte
Artistas Relacionados: Hagesandros, Athenedoros e Polydoros
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Procedência: Alexandre Mury Coleção Particular / Acervo Pessoal de Obras de Arte
Direitos: © Alexandre Mury
A obra "Laocoonte e Seus Filhos" (2010) de Alexandre Mury é uma releitura contemporânea da icônica escultura helenística atribuída a Agesandro, Polidoro e Atenodoro de Rodes. Por meio da fotografia performática, Mury desconstrói o pathos dramático da composição original e ressignifica seus elementos, substituindo as serpentes divinas por uma mangueira de jardim e os filhos de Laocoonte por bonecos. O resultado é uma peça de forte impacto visual e conceitual que mescla humor, crítica e uma reflexão sobre a história da arte e suas formas de recepção e reinterpretação.
A escultura original, descoberta em 1506 e imediatamente identificada a partir das descrições de Plínio, o Velho, tornou-se um dos mais influentes exemplos da escultura helenística. Sua representação do sofrimento contido, como analisado por Johann Joachim Winckelmann no século XVIII, serviu de modelo para gerações de artistas, incluindo Michelangelo, Rubens e El Greco. Além disso, a escultura suscitou debates sobre autenticidade, imitação e restauração, como no célebre episódio da reconstrução de seu braço ausente — inicialmente estendido, conforme preferido por Rafael, e posteriormente encontrado na posição dobrada, como previra Michelangelo.
Mury se apropria dessa carga histórica e a subverte ao inserir objetos banais em uma composição que imita o arranjo escultórico original. A mangueira, além de substituir as serpentes, adiciona uma camada de censura lúdica ao corpo nu do artista, evocando discussões sobre moralidade e representação do nu na história da arte. Os bonecos que substituem os filhos de Laocoonte reforçam a teatralidade e a artificialidade da cena, evidenciando a performatividade inerente tanto à obra original quanto à releitura contemporânea.
A fotografia de Mury preserva a disposição triangular característica da escultura helenística, garantindo uma ligação visual imediata com a obra clássica. No entanto, o contraste entre o rigor formal e a materialidade dos elementos contemporâneos — a cadeira de plástico, o fundo preto de plástico e os bonecos — desestabiliza a solenidade do modelo original. A luz e a composição dramática reiteram a dramaticidade barroca do conjunto, mas o contexto doméstico e os materiais prosaicos introduzem uma ironia que distância a obra de uma mera homenagem.
A substituição das serpentes por um objeto cotidiano não apenas desmistifica a cena, mas também reinterpreta sua simbologia. Se na escultura helenística as serpentes representam a punição divina e o destino inescapável, na obra de Mury a mangueira de jardim se transforma em uma ferramenta de autoironia e crítica, sugerindo uma autocensura irônica que dialoga com a história da arte e seus debates morais. A água que esconde partes do corpo do artista pode ser lida como um comentário sobre a censura contemporânea e os limites da representação do corpo humano na sociedade atual.
A obra de Mury se insere em uma tradição de reinterpretações do grupo Laocoonte, que atravessa séculos e envolve artistas como Gian Lorenzo Bernini, que enfatizou a expressividade emocional da escultura, e Daniel Arsham, que a reconstruiu como um "fóssil futurista" cristalizado. A fotografia performática de Mury não apenas se apropria da referência clássica, mas também questiona seu status icônico e sua permanência na história da arte.
Se em Laocoonte e Seus Filhos a dor era o elemento central, controlada pelo ideal grego de equilíbrio emocional, Mury substitui essa intensidade dramática por uma abordagem jocosa e crítica. O artista brinca com a noção de autenticidade e seriedade da arte, aproximando-a do espectador e sugerindo que até os mais sublimes ícones da tradição artística podem ser reimaginados com irreverência e acuidade conceitual.
Dessa maneira, a obra de Mury não apenas homenageia a escultura helenística, mas também a desconstrói e resignifica, estabelecendo um diálogo que transcende os séculos e evidencia a contínua reinterpretação da arte e seus significados.
Hagesandros, Athenedoros e PolydorosLaocoön and His Sons, Laocoonte e seus filhos, também conhecido como Grupo LaocoonteCópia de um original helenístico de ca. 200 aC. Encontrado nas Termas de Trajano, 1506.Mármore208 cm × 163 cm × 112 cm Vaticano
O primeiro estudioso moderno a escrever e aprofundar a dintinção entre arte grega autêntica e cópias romanas posteriores ou imitações dela, foi Johann Joachim WInckelmann, um arqueólogo e historiador da arte de meados do século XVIII.
Winckelmann compara a escultura com o grande poema épico, "Eneida", de Virgílio — "Ele não brada nenhum grito terrível" — A abertura da boca não o permite: trata-se muito mais de um gemido medroso e oprimido." — para ele, Laocoonte seria o grande exemplo, em que o sofrimento físico é contido pela força do espírito. O que era então celebrado na literatura pela força de sua expressão, na escultura, um exemplo de repouso e autocontrole.
Henry SingletonOs Acadêmicos Reais em Assembléia Geral1795óleo sobre tela198 cm x 259 cmColeção Academia Real de Artes
O grupo estatuário foi encontrado quebrado em cinco partes, além de faltar um dos braços do personagem principal. Essas peças fomentariam a conhecida contenda entre Rafael e Michelangelo. Convocada uma comissão com pretensão de reconstituir os membros perdidos — com a tarefa, entre os artistas, estava Michelangelo, que defendia a hipótese de que o braço ausente estaria flexionado, com a mão tocando sua própria cabeça. Rafael Sanzio, como júri do concurso, acabou por escolher uma proposta que representava o braço esticado, e a estátua foi completada desta forma. Em 1957, o verdadeiro braço perdido de Laocoon foi descoberto num antiquário italiano e, como Michelangelo previra, estava de fato dobrado sobre o ombro.
Autor italiano desconhecidoLaocoonteSéculo XVIITerracota82 cmPrinceton University Art Museum
Marco DenteMarcantonio RaimondLaocoonte e seus filhos sendo atacados por serpentes1515–27Gravura, canto inferior direito feito com tinta44,3 × 32,9 cmThe Metropolitan Museum of Art
Alberto GiacomettiLaocoonte1952Desenho a caneta esferográfica29,2 x 20,9 cmFundação Annette e Alberto Giacometti, Paris e Zurique
O mítico sacerdote de Tróia, chamado Laocoonte advertiu seus compatriotas para não aceitarem o cavalo de madeira ofertado aos troianos pelos gregos — atirou uma lança nele para provar que era oco. Despertando, assim, a ira dos deuses, por profanar um objeto dedicado à deusa Atena.
O trabalho antigo mais célebre e influente desde sua descoberta até o final do século XVIII — o grupo escultórico de Laocoonte é considerado por alguns historiadores uma cópia da versão original feita em bronze. A escultura de mármore, representa a agonia física e psicológica, retratando Laocoonte e seus filhos estrangulados por cobras, castigados pelos deuses — a dor se revela em todos os músculos e tendões do corpo, no abdome retraído e na face. Quando encontrada, em 1506, a obra foi instantaneamente reconhecida devido a famosa descrição de Plínio, o Velho, em sua Naturalis historia, que na época era considerada o relato mais importante e confiável dos tesouros artísticos perdidos da Roma antiga.
Autor desconhecidoLaocoonte e seus filhosProvavelmente do século XVIIBronzeDiâmetro 5,3 cm Peso bruto 34,7 grNational Gallery of Art
Michelangelo Cabeça de Laocoon1530Desenho a carvão Capela dos Medici, Igreja de San Lorenzo, Florença.
A influência do Laocoonte, bem como do Torso Belvedere, é evidenciada em muitas das esculturas posteriores de Michelangelo, como o Escravo Rebelde e o Escravo Moribundo, além de vários dos ignudi e a figura de Haman no teto da Capela Sistina.
Gian Lorenzo Bernini, ainda jovem, elabora mais do que uma simples cópia do busto de Laocoonte, delimita-se ao estudo da expressividade daquela face e emoções. Desta derivação clássica, Bernini viria a construir as suas mais fascinantes e conhecidas esculturas.
Alberto GiacomettiCabeça de Laocoonte1952Desenho a caneta esferográfica29,2 x 20,9 cmFundação Annette e Alberto Giacometti, Paris e Zurique
“Tout l'art du passe, de toutes les époques, de tout les civilizations surgit devant moi, tout est simultané comme si l'espace prenait la place du temps.”
— Alberto Giacometti, 1965
Daniel ArshamBusto Erodido de Calcita Azul de Laocoonte2020Foto de Claire Dorn.Cortesia do artista e Perrotin
Arsham frequentemente investiga noções de tempo e memória, usa isso como material e inspiração — ele recria o busto da icônica escultura da antiguidade clássica, e a reinsere cristalizada —como fóssil futurista.
Maria Lassnig,Mulher Laocoonte (Woman Laocoön)1976Óleo sobre tela193 x 127 cmNeue Galerie Graz, Universalmuseum JoanneumGraz, Austria
Roy LichtensteinLaocoonte1988 Óleo sobre tela304.8 x 259.1 cm Roy Lichtenstein FoundationColeção Privada
Peter Paul RubensEstudo para o Grupo Laocoonte1604/1608Giz preto sobre papel vergé48,2 x 37,5 cm Wallraf-Richartz-Museum & Fondation Corboud
Durante sua estada na Itália de 1600 a 1608, Rubens fez numerosos desenhos de estudo com base em esculturas clássicas, incluindo o Grupo Laocoonte. Ele fez desenhos do todo e de partes do Laöcoon visto de diferentes ângulos. Rubens tratou estátuas antigas como modelos de estúdio que poderia caracterizar os personagens e servir para diversos contextos.
El Greco (Domenikos Theotokopoulos)Laocoonte1610-1614óleo sobre tela137,5 x 172,5 cmNational Gallery of Art
O tema do Laocoonte caracteriza uma ponte entre a cultura clássica greco-romana, o renascimento italiano e a crítica estética idealista e especulativa dos séculos 17 e 18. O fascínio da escultura envolveu artistas e intelectuais como Michelangelo, Ticiano, Gian Lorenzo Bernini, El Greco, Orfeo Boselli, Winckelmann, Lessing, Goethe e tantos outros, durante séculos.
É possível que El Greco tenha visto, em Roma, a famosa escultura de Laocoonte, descoberta em 1506. Não se trata de uma releitura da escultura, mas da lenda, embora o quadro conserve alguns traços dramáticos da tensão expressa no mármore.
Detalhe do Friso Leste do Altar de Pérgamo (c. 200-150 a.C.)Arte grega que data de c. 323 a 31 aCPeríodo helenístico Painel em baixo relevo 35,64 x 33,4 metrosPergamon Museum, Berlim
O gigante Alkyoneos é agarrado, pela deusa Atena, que segura seus cabelos, puxando seu rosto para a esquerda. Seu braço direito segura o antebraço de Atena. Uma serpente, agente de Atena, prende o corpo do gigante e simultaneamente expõe sua anatomia ao espectador. Alkyoneos se ajoelha em sua perna direita, enquanto sua perna esquerda se estende para fora, cruzando à frente de Atena. Seu rosto, com a testa enrugada e a boca aberta, exagera seu sofrimento.
O monumento notável do helenismo é o altar de Zeus em Pérgamo. O grandioso friso de mármore, com 120 metros de comprimento, feito em alto relevo, circunda a base do altar. Chamada “gigantomaquia”, a cena é uma representação das batalhas entre os deuses do Olimpo e os gigantes. Segundo o mito, os olímpicos só venceriam se um mortal os ajudasse. Os deuses, portanto, chamaram Hércules para ajudá-los e eles venceram a batalha.
Após a morte de Alexandre, o Grande, em 323 aC, os gregos e sua influência se estenderam até o leste da Índia moderna. Enquanto algumas peças imitavam intencionalmente o estilo clássico do período anterior, outros artistas estavam mais interessados em capturar movimento e emoção. O Grande Altar de Zeus, de Pérgamo, expressões de agonia e uma confusa massa de membros transmitem um novo interesse pelo drama.