Detalhes / OBRA DE ARTE
Título: Nu Azul
Criador: Alexandre Mury
Data de criação: 2011
Tipo: fotografia
Meio: C-print (impressão cromogênica)
Políptico: 4 partes (A, B, C e D)
Período da Arte: Contemporâneo
Movimento/Estilo: Arte Conceitual, Arte Performática
Assunto: autorretrato, fotografia, body painting, (pintura corporal), azul, corpo masculino,
Obras Relacionadas: Nu Azul (I,II,III e IV), 1952, Henri Matisse
Artistas Relacionados: Henri Matisse
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Na série fotográfica "Nu Azul" (2011), Alexandre Mury estabelece um diálogo performático e visual com as emblemáticas obras "Nu Bleu" (I, II, III e IV) de Henri Matisse (1952). A releitura de Mury se insere em uma tradição artística que remonta às experiências de Matisse com recortes de papel, realizadas nos anos finais de sua vida, após enfrentar problemas de saúde. Enquanto Matisse sintetizava formas humanas em recortes de guache sobre papel, Mury transpõe essa estética para a performance e a fotografia, utilizando seu próprio corpo como meio de expressão.
A série "Nu Bleu" de Matisse representa um momento significativo na história da arte moderna, quando o artista explorou a simplificação formal e a expressividade por meio da cor e da forma. Esses trabalhos foram criados em um período de limitações físicas do artista, evidenciando sua busca por uma linguagem plástica essencial. O azul profundo escolhido por Matisse remete à espiritualidade e à introspecção, bem como ao legado do simbolismo e do expressionismo.
Mury se apropria dessa tradição ao recriar fotograficamente a corporeidade sugerida nos recortes de Matisse. Entretanto, em vez de reduzir a figura à bidimensionalidade do papel, ele reintegra a tridimensionalidade por meio de seu próprio corpo pintado de azul. A série fotográfica se apresenta como um políptico, evocando a sequencialidade e a repetição formal dos trabalhos de Matisse, mas introduzindo nuances performáticas e gestuais singulares.
A escolha do azul na obra de Mury reforça a conexão com Matisse, mas também dialoga com outras tradições artísticas. O "Período Azul" de Pablo Picasso (1901-1904), por exemplo, explorou o azul como uma cor de melancolia e introspecção, transmitindo emoções de solidão e desesperança. Em contrapartida, Yves Klein, em sua série "Antropometrias" (1960), utilizou corpos humanos cobertos de pigmento azul para criar pinturas, questionando a relação entre o corpo e a obra de arte. Mury transita entre esses referenciais, utilizando seu próprio corpo como ferramenta artística e suporte de expressão.
Ademais, a performatividade em "Nu Azul" reforça a dimensão da identidade e do autorretrato na obra de Mury. Ao se transformar na figura azul, ele assume a posição do modelo e do artista simultaneamente, desafiando as noções tradicionais de representatividade e subjetividade. Sua obra se situa, portanto, no cruzamento entre a pintura, a fotografia e a performance, promovendo uma fusão de linguagens que questiona os limites do autorretrato e da citação artística.
"Nu Azul" de Alexandre Mury não se limita a uma homenagem a Matisse, mas reinterpreta sua abordagem através de uma perspectiva contemporânea. Se Matisse rompeu com a pintura tradicional ao adotar a técnica dos recortes, Mury expande essa ruptura ao incorporar seu próprio corpo na composição, desafiando as fronteiras entre sujeito e objeto, artista e obra. A obra também propõe uma reflexão sobre a relação entre cor, forma e identidade, reativando questões centrais da história da arte em um contexto performático e fotográfico.
Dessa forma, "Nu Azul" convida o espectador a reconsiderar a dinâmica entre tradição e inovação, materialidade e efemeridade, gesto e representação. A obra de Mury reafirma o potencial da arte contemporânea de revisitar e ressignificar ícones do passado, criando novos discursos visuais e conceituais.
Após a cirurgia em decorrência de um câncer de estômago, Matisse começou a criar arte cortando e pintando folhas de papel à mão. Ele fez em 1952 uma políptico representando figuras nuas em várias posições.
O trabalho resultou em uma série de litografias coloridas que ele supervisionou a produção até sua morte em 1954.
"Ver pode ser azulcinação."
— Ferreira Gullar
A maneira como Gauguin manipulava a cor, as formas e os temas emocionais e simbólicos foram elementos que Picasso absorveu e reinterpretou em seu próprio estilo revolucionário, tornando-se um dos pilares da arte moderna.
Essa exploração audaciosa do potencial expressivo da cor pode ter influenciado Picasso a se concentrar no uso do azul como uma maneira de transmitir emoções e criar atmosferas melancólicas em suas obras.
Pablo Picasso transpôs para uma série de quadros sua tristeza após perder um grande amigo de maneria trágica. Ele usou tons de azul em motivos melancólico para retratar cenas de pobreza, miséria e solidão.
O "Período Azul", que compreende entre 1901 e 1904, surgiu de seus primeiros anos de pobreza durante a época em que ele se mudou para Paris, quando tinha apenas, 19 anos. Existem relatos de que Picasso queimava seus desenhos para se aquecer durante os invernos rigorosos.
Picasso não costumava usar pastéis; e como não tinha dinheiro para comprar telas, teve que se dedicar ao desenho. A falta de recursos financeiros pode ter sido uma das razões pelas quais Picasso optou por usar uma paleta limitada de cores, com destaque para o azul das nuances frias de índigo e cobalto.
Embora Picasso não seja considerado um artista surrealista, suas experimentações com a distorção e maleabilidade do corpo em sua série de nadadores e acrobatas compartilham afinidades temáticas e técnicas com os princípios surrealistas. Por sua vez, os princípios estéticos de Matisse, como a rejeição da representação realista em favor de uma expressão mais subjetiva, também encontrara ressonância entre os surrealistas.
A relação entre Pablo Picasso e Henri Matisse é complexa e multifacetada entre rivalidade e admiração. Ambos influenciaram-se mutuamente de diversas maneiras. Ambos os artistas foram influenciados pelo chamado "primitivismo" e pelas artes não ocidentais, como a arte africana e o artefato ibérico. Essas influências se refletiram em suas representações do corpo humano, muitas vezes simplificando as formas e enfatizando a expressão emocional.
Picasso e Matisse desenvolveram abordagens individuais e distintas. Picasso tendia a desconstruir e fragmentar as formas, buscando uma expressão mais intensa e emocional, enquanto Matisse tendia a simplificar e harmonizar as formas, criando uma sensação de equilíbrio e serenidade.
Com a saúde piorando no final da década de 1940, foi nessa época que Matisse começou a criar seus recortes de papel. Enquanto Picasso foi pioneiro na técnica de colagem em suas obras cubistas no início de 1900, ele se inspirou ainda mais nos recortes de papel de Matisse, criando uma série de esculturas formadas a partir de folhas de metal recortadas.
Matisse, foi profundamente influenciado pelo pintor simbolista Gustave Moreau, que acreditava que toda arte deveria ser guiada pelos impulsos emocionais do artista. Em 1904, o pontilhismo de Georges Seurat, a paleta de cores de Paul Gauguin e a pincelada gestual de Paul Cézanne e Vincent Van Gogh já haviam inspirado Matisse a rejeitar a figuração precisa em seu trabalho.
O quadro em homenagem a Cézanne demonstra a liberdade de Matisse diante das convenções. A expressão, obtida por traços reduzidos, tinha sido objeto de uma observação proferida por Gustavo Moreau a seu discípulo, Matisse, logo no seu início de carreira: “Matisse, você vai simplificar a pintura”.
Matisse pintou o nu quando uma escultura em que estava trabalhando se despedaçou. Em 1907 a pintura teve um forte efeito sobre Georges Braque e Pablo Picasso, motivando parcialmente Picasso a criar 'Les Demoiselles D'Avignon'.
Tanto Max Pechstein quanto Ernst Ludwig Kirchner faziam parte do grupo artístico conhecido como Die Brücke, que buscava romper com as convenções acadêmicas e criar uma forma de arte mais emocional, expressiva e subjetiva.
Eles acreditavam que a cor poderia evocar respostas emocionais intensas permitindo uma conexão direta entre a obra de arte e o espectador. Suas paletas vibrantes e contrastantes, combinadas com pinceladas ousadas e intensas, ajudaram a criar uma estética única.
Inspirado na epopeia nacional finlandesa Kalevala, Gallen-Kallela retrata Lemminkäinen — guerreiro e amante — assassinado e desmembrado, sendo recomposto por sua mãe. O corpo rígido e de pele azulada repousa sobre a margem de um rio gelado, num ambiente de tonalidade invernal que reforça a sensação de suspensão vital. O azul aqui não apenas comunica a frieza física da morte, mas também uma dimensão espiritual, quase mística, da passagem entre mundos.
Este azul gélido, que substitui o vermelho quente do sangue e da dor, é menos um registro naturalista da decomposição e mais uma inscrição simbólica da ausência e do silêncio. A obra de Gallen-Kallela se insere assim numa linhagem histórica que utiliza o azul como cor da transcendência e da fronteira entre o corpo e o espírito. Nesse contexto, Os Lemminkäinen Mortos amplia a compreensão do azul como cor da morte não violenta, da imobilidade sublime e do rito da recomposição — tanto do corpo quanto do mito.
A figura feminina em um azul quase espectral confere uma aura de mistério e afastamento do mundo real. A escolha cromática não é meramente decorativa, mas participa de uma sensibilidade visionária que se afasta do naturalismo e antecipa o simbolismo europeu do final do século XIX.
A figura parece surgir de um espaço interior, entre o desejo e o esquecimento. A ausência de contexto narrativo reforça o caráter psicológico da obra — trata-se menos de uma personagem e mais de um estado de espírito suspenso entre luz e sombra.
Burne-Jones, cuja trajetória começou no movimento estético inglês, é hoje amplamente reconhecido como um dos principais articuladores do simbolismo britânico, e Fantasy Girl’s Head é um exemplo lírico e pungente de sua busca por beleza atemporal e espiritualidade laica.
Em diversas versões de Olhos Fechados (Les Yeux Clos), Odilon Redon constrói uma imagem profundamente simbólica, em que a figura andrógina de olhos cerrados, envolta por um fundo azulado, parece emergir de um espaço indefinido e onírico. O azul, aqui, não apenas ambienta, mas carrega um sentido espiritual e introspectivo, sendo menos uma cor descritiva e mais um estado de espírito.
Essa tonalidade azulada reforça a ideia de recolhimento, silêncio e interioridade — elementos recorrentes na obra simbolista de Redon. Os olhos fechados sugerem não só o gesto do repouso ou da morte, mas também a imersão no mundo psíquico, nos domínios do invisível. Redon, atento à tradição simbolista de ultrapassar a aparência sensível das coisas, utiliza o azul como ponte entre o visível e o imaterial, entre o sonho e a contemplação.
Yves Klein usou corpos femininos nus como ferramentas para aplicar tinta diretamente na tela, criando uma fusão entre o corpo humano e a obra de arte.
As pinturas antropomórficas de Klein transcendem as fronteiras da forma criando novas experiências sensoriais e emocionais. O trabalho de Klein desafiou a definição tradicional da pintura, abrindo caminho para novas abordagens artísticas.
O trabalho de Klein com o azul teve um grande impacto no movimento minimalista. Sua ênfase na redução intencional, autolimitando-se ao essencial, demonstra como uma cor pode se tornar o elemento central da obra de arte.
O trabalho de Klein com o azul teve um grande impacto no movimento minimalista. Ao autolimitar-se dando ênfase na redução intencional, demonstra como uma única cor pode se tornar o elemento central da obra de arte.
O artista franco-cubano Francis Picabia investe numa linguagem visual que cruza o automatismo do surrealismo com a rebeldia iconoclasta do dadaísmo. A figura central da composição é um corpo híbrido, humanoide, com a pele inteiramente azulada e coberta por signos circulares que oscilam entre mamilos, olhos, células ou astros. A pose da figura, que sustenta uma máscara diante do próprio rosto, abre espaço para leituras que envolvem o jogo entre identidade e alteridade, encenação e desvelamento, superfície e essência — temas caros ao universo simbólico da arte moderna e, particularmente, à tradição surrealista da década de 1920.
A escolha do azul para a pele dessa figura não é mera estilização cromática. Aqui, o azul — tão presente em cosmologias religiosas e nas mitologias artísticas de civilizações antigas — retorna como campo de projeção de uma subjetividade dissociada da normatividade do corpo natural. A epiderme azul de Picabia insinua uma existência intermediária entre o humano, o animal e o divino; uma personagem que habita o espaço liminar entre o desejo e o delírio. As marcas solares ou oculares que se espalham pela pele transformam o corpo em mapa ou relicário visual, sugerindo um culto arcaico do erotismo e da multiplicidade simbólica.
A presença de seios soltos, distribuídos no plano inferior da obra como fragmentos anatômicos flutuantes, reforça o tom de ironia e erotismo subversivo típico de Picabia. Mas há também uma tensão poética que atravessa a composição: o corpo azul, mascarado e cercado por grafismos enigmáticos, parece performar uma metamorfose ritualística. Nesse sentido, Breasts antecipa questões que viriam a ser radicalizadas mais adiante por artistas do pós-guerra e da arte corporal, e estabelece uma ponte entre a tradição do grotesco e o pensamento contemporâneo sobre identidade fluida.
A inclusão dessa obra em um panorama iconográfico que contempla a representação da pele azul na história da arte não só preenche uma lacuna surrealista importante como também atualiza o debate sobre a cor como signo de transgressão, deslocamento e potência simbólica do corpo. Picabia, ao pintar este corpo azul em mutação, não apenas evoca o inconsciente, mas o expõe, marcado, escancarado e despido em sua teatralidade primitiva.
Em Summer Reader, Milton Avery nos confronta com uma figura feminina reclinada, absorta na leitura, cuja pele é audaciosamente representada em tons de azul. Esta escolha cromática, distante de qualquer intenção naturalista, é fundamental para a expressividade da obra e reflete a abordagem singular de Avery à cor e à forma. O azul aqui não denota frieza no sentido de morte ou melancolia existencial, como em alguns dos exemplos fornecidos, mas opera de maneira mais sutil e poética.
Avery, um mestre colorista frequentemente associado à transição entre o realismo americano e a abstração, utilizava a cor de forma subjetiva e emocional. A pele azul da leitora pode ser interpretada de diversas maneiras. A "leitora de verão" está fisicamente presente, mas sua consciência está imersa na narrativa do livro. A pele azul pode ser uma forma de integrar a figura ao ambiente, tornando-a parte da sensação de frescor e tranquilidade de um dia de verão, ou uma sombra fresca e repousante. Influenciado por pintores europeus como Henri Matisse, que também utilizava cores não representacionais para figuras e paisagens, Avery afirmava a autonomia da cor. Pintar a pele de azul é uma declaração de liberdade artística, onde a cor serve à composição e à expressão poética mais do que à imitação da realidade. Insere-se no movimento modernista, que buscava novas formas de representação e valorizava a experiência subjetiva do artista.
Avery simplificava as formas para capturar a essência de seus sujeitos. A cor, aplicada em grandes áreas planas, contribui para essa simplificação. O azul da figura, em vez de modelar tridimensionalmente o corpo com luz e sombra naturalistas, define-o como uma forma colorida dentro de um arranjo maior de formas e cores, enfatizando a qualidade pictórica da obra. No contexto da obra de Avery, a "mulher azul" não é uma anomalia, mas um exemplo da sua abordagem lírica e inovadora.
O título da escultura de Georg Baselitz, Dunklung Nachtung Amung Ding, não possui uma tradução direta, pois consiste em uma justaposição de palavras que evocam sons e significados de maneira poética e enigmática. Nesta escultura monumental, Georg Baselitz trabalha o peso físico da matéria — madeira talhada em formas expressivas e cruas — com camadas espessas de tinta azul-escura, quase noturna. O título críptico, como um balbucio entre palavras, já aponta para a opacidade do sentido, para aquilo que se esconde na linguagem e na forma. O azul aqui não é serenidade nem transcendência, mas matéria densa, existencial.
A cor não cobre — ela penetra a madeira, marca, sangra e dá à obra um caráter de presença soturna, ao mesmo tempo, corpórea e ausente. É um azul de silêncio brutal, de violência contida, mais próximo da angústia do que do sonho. Em Baselitz, o azul se desprende de qualquer idealismo celestial: ele é chão, trauma e corpo invertido — uma cor carregada de memória, desgaste e confronto com o abismo do ser.
Na escultura Dançarina em Repouso, George Segal reafirma sua linguagem escultórica característica — figuras humanas moldadas em gesso branco ou monocromático, inseridas em cenas cotidianas e silenciosas — mas, nesta peça, o uso do azul confere um deslocamento perceptivo singular. O corpo da dançarina, revestido por essa cor fria e contemplativa, parece suspenso entre o gesto e a pausa, entre o corpo que já dançou e aquele que ainda guarda a memória do movimento.
O azul, aqui, não é apenas um valor estético: ele articula um estado emocional de recolhimento, melancolia e interioridade. A tonalidade acentua o isolamento da figura no espaço — um momento de exaustão ou espera —, e aproxima a escultura de questões existenciais, como o silêncio do corpo, o tempo suspenso e a fragilidade da presença.
Segal, que frequentemente usou a monocromia como estratégia de distanciamento ou neutralidade, nesse caso assume o azul como um modo de amplificar a densidade psicológica de sua figura. Essa abordagem cromática aproxima sua obra das poéticas simbolistas do final do século XIX e do expressionismo pós-guerra, atualizando o azul como cor da alma, da espera e da escuta interior.
Longe de desumanizar ou idealizar, o uso do azul em Casteel adensa a presença do sujeito, como se o tornasse mais visível — paradoxalmente — ao distanciá-lo do real imediato. Nas mãos de Casteel, o azul se torna também um gesto político: ele desvia o olhar codificado da pintura ocidental sobre corpos racializados e propõe uma nova gramática de visibilidade. O azul, nesse contexto, é cor de interioridade, de resistência e de reinvenção do olhar.
A artista, nascida em 1989, desenvolve uma prática baseada na convivência e na escuta. Muitos de seus retratados são amigos, vizinhos, conhecidos de sua comunidade. Em vez de capturar, ela traduz: pinta gestos íntimos, texturas do cotidiano, olhares suspensos. O azul se repete em muitas de suas obras como uma camada de significação emocional que distância a obra de uma representação literal e inscreve o corpo em uma paisagem afetiva e imaginada. A pintura opera, assim, no limiar entre identidade e abstração, materialidade e aura.
A figura feminina em lápis-lazúli, provavelmente originária do Afeganistão, remonta ao período Naqada II no Egito (ca. 3650-3300 a.C.). O lápis-lazúli, com sua intensa cor azul e inclusões douradas de pirita, era altamente valorizado no Antigo Egito. Sua origem no Afeganistão indica a existência de rotas comerciais estabelecidas desde cedo. Essa pedra preciosa era associada a materiais nobres como o ouro e a prata, possuindo conexões simbólicas com os céus, a divindade e a proteção na vida após a morte. O lápis-lazúli era utilizado em joias, ornamentos e incrustações desde o período Predinástico, e há menção ao seu uso em pó como sombra para os olhos.
A cultura Naqada II, inserida no período Predinástico do Egito, foi marcada pelo desenvolvimento de estruturas sociais complexas e por uma crescente expressão artística, incluindo as primeiras formas de representação figural. A raridade de figuras em lápis-lazúli sugere que a peça poderia ter sido importada ou pertencer a um indivíduo de alto status. Diferentemente das mais comuns paletas de maquiagem planas em formato de animais da época, uma figura tridimensional em um material tão precioso poderia ter representado uma divindade ou possuído uma função votiva.
Maat, na religião do Antigo Egito, era a deusa da verdade, da justiça, do equilíbrio e da harmonia. Frequentemente representada com uma pena de avestruz, Maat desempenhava um papel crucial no julgamento dos mortos. Amuletos representando Maat eram utilizados tanto por vivos quanto por mortos, como garantia de um julgamento bem-sucedido na vida após a morte.
O Amuleto de Maat (1069 a.C. - 332 a.C.), pertencente aos National Museums Liverpool, data do Terceiro Período Intermediário ou do Período Tardio. Feito de pedra lápis-lazúli, o amuleto apresenta a deusa Maat em posição de cócoras. As anotações de Gatty Slip de 1873 mencionam seis pequenas figuras de pedra de Maat, duas delas em lápis-lazúli. Este amuleto mede 26 mm x 13 mm. A sua função era apotropaica, oferecendo proteção e assegurando um bom destino após a morte.
O Amuleto de Maat (Período Tardio 664–332 a.C.), pertencente ao The MET Museum, data do Período Tardio, especificamente das Dinastias 26 a 30. Confeccionado em lápis-lazúli, apresenta a deusa em uma postura sentada ou de cócoras, com uma pena sobre a cabeça. Este amuleto também tinha a função de invocar a verdade, a justiça e a ordem cósmica. Amuletos de Maat também eram usados por juízes como insígnias de seu cargo.
O período Ptolemaico no Egito foi marcado pelo domínio grego e por uma significativa fusão cultural, onde divindades gregas foram adotadas e adaptadas ao panteão egípcio. Afrodite Anadiômene, cujo nome significa "Afrodite emergindo do mar", é tradicionalmente representada no momento de seu nascimento, quando surge das águas e espreme os cabelos.
Esta estatueta é feita de faiança, um material artificial egípcio composto de quartzo moído e álcali. A característica cor azul brilhante da faiança era obtida através de um esmalte de óxido de cobre. A faiança era frequentemente utilizada como um substituto para pedras azuis-esverdeadas preciosas, como a turquesa e o lápis-lazúli, e era empregada na confecção de diversos objetos, incluindo figuras e amuletos.
A peça exemplifica a fusão da iconografia grega com o material e a tradição artística egípcia, refletindo a natureza multicultural do Egito ptolemaico. Afrodite era popular no Egito durante esse período, com paralelos traçados entre ela e deusas egípcias como Hathor. A cor azul da faiança pode ter carregado um peso simbólico adicional, conectando Afrodite a temas mais amplos de divindade e talvez até mesmo ao reino aquático de onde nasceu, já que o azul era associado à água no simbolismo egípcio.
O azul predominantemente utilizado na arte egípcia, incluindo os relevos de templos como Dendera, era o "azul egípcio" (frita egípcia). Este pigmento sintético, um dos primeiros produzidos artificialmente pela humanidade (silicato de cobre e cálcio), era valorizado por sua durabilidade e tonalidade vibrante. Aplicado sobre a superfície do relevo em arenito, frequentemente como parte de uma rica policromia, o azul teria se destacado, conferindo profundidade e significado às cenas rituais e mitológicas.
O azul era intrinsecamente ligado ao céu (personificado pela deusa Nut) e às águas primordiais da criação (Nun). O azul em cenas que o envolvem, ou em elementos aquáticos representados, reforçaria sua conexão com a regeneração e a promessa de vida após a morte. A própria cheia do Nilo era vista como o retorno das lágrimas de Ísis por Osíris, fertilizando a terra.
Divindades como Amon eram frequentemente retratadas com pele azul, simbolizando sua natureza cósmica e primordial. Embora Ísis e Osíris não sejam tipicamente representados com pele azul (Osíris é mais comum com pele verde ou preta), a cor poderia aparecer em suas vestimentas, toucados (como a peruca de lápis-lazúli simbólico) ou nos hieróglifos e frisos que os cercam, imbuindo a cena com uma aura de sacralidade e transcendência.
Uma das mais enigmáticas e impactantes imagens da arte funerária etrusca: a figura de um demônio de pele azul entrelaçado por serpentes, ladeado por outro ser igualmente grotesco. Datada do século V a.C., esta pintura mural oferece não apenas um testemunho visual da escatologia etrusca, mas também abre caminhos para uma reflexão crítica sobre o simbolismo da cor azul em contextos religiosos e mortuários.
Ao contrário da tradição ocidental posterior, que tende a associar o azul ao divino ou ao celestial (como no manto da Virgem Maria na iconografia cristã), o azul aqui opera dentro de um espectro funéreo, corpóreo e até decompositivo. A historiografia recente, como apontado por Kristin Lee Hostetler (2007), sugere que a tonalidade azulada da pele pode remeter à coloração de um corpo em decomposição ou à descoloração provocada por venenos, como os de serpentes — elementos recorrentes na flora e fauna mediterrâneas.
A figura central, frequentemente identificada por analogia como uma forma primitiva de Charun, o demônio da morte etrusco, não é simplesmente um símbolo de punição. Em vez disso, funciona como um psicopompo, um guia para a alma na travessia ao além. A presença das serpentes, por sua vez, associa-se tanto ao perigo quanto à regeneração — um paradoxo que reforça o caráter liminar do demônio azul: entre a vida e a morte, entre o mundo visível e o invisível.
É significativo que a cor azul — amplamente ausente na paleta humana natural — sirva aqui como um marcador de alteridade radical. O azul distancia a figura de qualquer traço humano, conferindo-lhe uma aura de outro mundo. Assim, a pele azul não é apenas uma escolha estética, mas uma estratégia iconográfica para acentuar a desumanização e a transcendência física da entidade representada.
Como observou Nancy de Grummond em seus estudos sobre a religião etrusca, essas representações não se destinavam apenas a aterrorizar: eram também formas de reconhecimento e familiaridade com o destino último de todos. O demônio azul da Tumba de Tarquinia não é, portanto, uma entidade do mal em si, mas um sinal visual da inevitabilidade da morte — e da passagem necessária pelo desconhecido.
No universo da iluminura medieval, a cor azul frequentemente transcende a mera função decorativa, imbuindo as cenas de camadas de significado simbólico e emocional. Um exemplo notável encontra-se na representação da concepção de Merlin. Nesta iluminura, o azul, seja no fundo da composição ou nas vestes das figuras, contribui para a atmosfera de mistério e para a compreensão da natureza singular do evento retratado.
A história da concepção de Merlin é intrinsecamente ligada ao sobrenatural e ao limiar entre o mundo terreno e o infernal. Nascido da união entre uma mortal e um íncubo, sua própria existência é um paradoxo teológico. A escolha do azul pelo iluminador pode ser interpretada como uma alusão a este domínio do desconhecido, do espiritual e do oculto. Na iconografia medieval, o azul podia evocar o céu e o divino, mas também as profundezas insondáveis e o misterioso.
Ao observarmos a iluminura, a presença do azul pode envolver a cena em uma aura de irrealidade, separando-a da mundaneidade do cotidiano. Se o fundo for tingido de azul profundo, ele cria um palco onírico para o encontro fatídico. Se as vestes da mãe de Merlin ou mesmo a figura do íncubo apresentarem tons de azul, isso pode sublinhar a natureza extraordinária dos personagens e do momento. O azul, com sua capacidade de sugerir tanto a serenidade celestial quanto a profundidade abismal, torna-se uma cor evocativa para um evento que desafia as explicações racionais.
Neste contexto, a ausência da cor esverdeada, tradicionalmente associada à morte e à putrefação em representações da Paixão de Cristo, reforça que o azul aqui não carrega a mesma carga dramática de decomposição física. Em vez disso, ele se alinha mais com o mistério da origem, a natureza sobrenatural dos envolvidos e a consequente singularidade de Merlin.
A iluminura da concepção de Merlin, portanto, exemplifica como a cor azul, no contexto da arte medieval, podia ser utilizada para além de sua beleza estética. Ela se torna um elemento narrativo visual, capaz de comunicar a natureza enigmática de um evento e a complexa identidade de uma figura que habita as fronteiras entre a luz e a sombra, o humano e o demoníaco. A escolha do azul convida o espectador a contemplar os mistérios da criação e as intrincadas relações entre os diferentes planos da existência na cosmovisão medieval.
Esta iluminura medieval do início do século XIII, proveniente de um manuscrito Psalter-Hours, apresenta a cena bíblica da tentação de Cristo no deserto. Enquadrada por um medalhão circular verde que delimita o espaço sagrado da narrativa, a composição mostra Cristo em vestes azuis profundas sentado em uma estrutura que sugere o pináculo do Templo, enquanto um demônio azulado se aproxima em postura provocativa.
O uso do azul nesta miniatura articula uma complexa rede de significados simbólicos. Nas vestes de Cristo, o azul comunica sua natureza divina e celestial, cor tradicionalmente associada à transcendência e à verdade imutável na iconografia cristã medieval. Já o demônio, representado em um azul mais pálido e acinzentado, apresenta uma perturbadora apropriação desta mesma tonalidade sagrada — uma subversão cromática que sugere a natureza enganosa da tentação, disfarçada sob uma aparência de verdade.
Esta representação do demônio em azul, ao invés dos mais convencionais vermelho ou negro, reflete uma sofisticada compreensão teológica da tentação não como força bruta, mas como distorção da verdade divina. O artista medieval cria assim uma tensão visual através desta aproximação cromática entre o tentador e o tentado, separados pela natureza de seus gestos e não pela completa oposição de cores. O fundo dourado e os elementos arquitetônicos em azul que enquadram a cena reforçam ainda esta ambiguidade, sugerindo um espaço onde o divino está presente, mas onde também o engano pode se manifestar.
Preservada na prestigiosa coleção da Morgan Library, esta iluminura exemplifica a complexidade simbólica da arte medieval e seu uso sofisticado da cor azul como veículo de significados teológicos e morais que transcendem a mera representação pictórica.
Esta refinada iluminura medieval apresenta São João Evangelista na ilha de Patmos, onde, segundo a tradição cristã, recebeu as visões apocalípticas que registrou no livro do Apocalipse. O santo aparece no centro da composição, adornado com vestes de vermelho vibrante e azul profundo, cores que tradicionalmente simbolizam o divino e o celestial na iconografia cristã. Com expressão serena e concentrada, ele transcreve as revelações em um pergaminho enquanto é cercado por elementos simbólicos e visionários.
O uso do azul nesta iluminura é particularmente significativo não apenas nas vestes do santo, mas principalmente na representação dos demônios que o flanqueiam nas extremidades inferiores da composição. Estes seres híbridos e grotescos, pintados em um azul intenso e sobrenatural, representam as forças adversas que tentam perturbar a transmissão da palavra divina. O azul aqui não é a cor da transcendência serena ou da espiritualidade elevada — como frequentemente aparece na arte sacra medieval — mas uma subversão cromática que assinala o demoníaco disfarçado sob a aparência do divino.
A presença destes demônios azuis estabelece uma tensão visual e simbólica com o céu azulado que domina o plano superior da cena, onde figuras angelicais e raios dourados emanam de uma representação do divino. Este contraste cromático articula visualmente a batalha cósmica entre bem e mal que permeia o texto apocalíptico. O azul, nesta iluminura, torna-se assim um campo de disputa simbólica: simultaneamente cor celestial nas mãos do iluminador e veículo de perturbação quando aplicado às figuras demoníacas que testemunham e tentam interferir na transmissão da revelação divina.
Na iconografia mural do Mosteiro de Tismana, um demônio azul se destaca entre as figuras infernais que povoam as cenas do Juízo Final. Com feições animalescas, olhos esbugalhados e corpo em contorção, ele parece encarnar não apenas o castigo divino, mas uma forma mais enigmática e psicológica do mal. O azul, pouco comum na representação de demônios, aparece aqui como cor ambígua: não remete ao fogo do inferno, mas a um frio inóspito, a um estado de desumanização gélida.
Esse azul gótico, de base mineral (possivelmente azurita ou lápis-lazúli diluído), remete à tradição bizantina, mas é investido de novos significados no contexto romeno ortodoxo. O diabo azul de Tismana é menos uma entidade explícita do pecado e mais uma figura do engano espiritual — o mal que se esconde sob aparência de calma, que atrai pela cor serena e perturba por seu efeito dissonante.
Essa escolha cromática talvez visasse provocar no fiel um estranhamento: o azul, que normalmente evoca o céu e o sagrado, é aqui cor do abismo, do erro, do abismo travestido de quietude. Trata-se, portanto, de uma inversão simbólica, que reconfigura o azul como ameaça oculta, como fachada sedutora de uma danação interior. Neste afresco, a cor funciona como código visual da perversão espiritual: uma beleza sinistra que mascara a queda.
A obra Políptico com a Coroação da Virgem e Santos (c. 1390), de Cenni di Francesco di Ser Cenni, é uma peça gótica notável que integra o acervo do Getty Museum em Los Angeles. Este políptico apresenta, em seu painel inferior, uma cena vívida da tentação de Santo Antão, onde o santo é cercado por uma variedade de demônios multicoloridos, incluindo uma figura demoníaca azul.
A presença de um demônio azul nesta composição é particularmente intrigante, pois contrasta com a iconografia cristã tradicional, onde demônios são frequentemente representados em tons de vermelho, preto ou verde, simbolizando fogo, escuridão e decadência, respectivamente. O uso do azul para representar uma entidade demoníaca pode sugerir uma abordagem simbólica diferenciada por parte do artista, talvez visando destacar a natureza insidiosa e enganadora do mal, camuflado sob uma aparência menos ameaçadora.
Cenni di Francesco, ativo em Florença entre 1369 e 1415, era conhecido por seu estilo gótico e por incorporar elementos da pintura bizantina em suas obras. Sua experiência como iluminador de manuscritos pode ter influenciado a riqueza de detalhes e a paleta de cores vibrantes presentes neste políptico.
A escolha de representar demônios em uma gama de cores, incluindo o azul, pode refletir uma intenção de ilustrar a diversidade das tentações enfrentadas por Santo Antão, bem como a complexidade do mal, que pode se manifestar de formas inesperadas e sedutoras. Essa abordagem cromática também contribui para a expressividade e o dinamismo da cena, conferindo às figuras demoníacas uma presença quase tangível e perturbadora.
Em suma, o uso do azul na representação de um demônio neste políptico não apenas desafia as convenções iconográficas da época, mas também enriquece a narrativa visual da tentação de Santo Antão, oferecendo uma perspectiva mais nuançada sobre a natureza do mal e sua capacidade de se disfarçar sob aparências enganosas.
Esta delicada miniatura mogol, apresenta uma cena fantástica de cinco jinns (entidades sobrenaturais da cosmologia islâmica) com cabeças de animais, dançando e tocando instrumentos musicais entre as nuvens. A composição revela o refinamento técnico e a imaginação visual que caracterizaram o auge da produção artística durante o império Mogol na Índia, particularmente sob o patrocínio do imperador Akbar (r. 1556-1605).
O azul nesta obra desempenha múltiplas funções simbólicas e estéticas. Esta utilização do azul como veículo do fantástico e do transcendente dialoga com tradições tanto islâmicas quanto hindus, refletindo a síntese cultural característica da arte mogol.
As figuras híbridas, cada uma com cabeça de um animal diferente — cão, asno, ave e outras criaturas — tocam diversos instrumentos musicais da corte mogol. Particularmente notável é o jinn azul ajoelhado na extrema esquerda, que dedilha um rabab, instrumento de cordas muito apreciado na corte mogol. O azul, neste contexto, não é meramente decorativo, mas conceitualmente significativo: demarca um espaço intermediário entre o visível e o invisível, o terreno e o celestial, sugerindo uma realidade além da percepção ordinária.
No Japão do século XVIII, em pleno florescimento do período Edo, o pintor Soga Shōhaku (1730–1781) produziu uma série de obras que destoavam radicalmente das convenções formais e estéticas de sua época. Uma dessas obras é o pergaminho pendente com a cena de Sessen Dōji (Sessendōjizu), que retrata a famosa lenda budista na qual o jovem Dōji se sacrifica ao recitar os ensinamentos do Dharma a um demônio disfarçado. No detalhe em questão, observamos a figura de um oni de pele azul, um dos elementos mais expressivos e simbólicos da composição.
O oni — criatura mítica japonesa muitas vezes descrita como ogro ou troll — aparece aqui com pele azul intensa, chifres protuberantes e traços grotescos, visualmente afastado da figura humana. No folclore nipônico, os onis são ambíguos: personificações do mal e da punição, mas também, ocasionalmente, figuras com potencial de transformação moral. O uso da cor azul para marcar esse ser remete à tradição iconográfica japonesa de associar tons não naturais à alteridade, ao sobrenatural e à violência. Onis podem aparecer em vermelho, verde ou azul, mas em todos os casos, o desvio cromático da pele humana reforça sua condição de "Outro".
A escolha do azul, especificamente, carrega conotações psicológicas e espirituais. No contexto budista, o azul é frequentemente associado à sabedoria transcendental (como o Buda Akshobhya), mas também pode indicar frieza emocional, distanciamento e desumanização — qualidades que reforçam o caráter ameaçador do oni. Na obra de Shōhaku, essa ambiguidade parece deliberada: o demônio é, ao mesmo tempo, o antagonista da história e o veículo para a expressão heroica de compaixão e sabedoria por parte do Dōji.
Do ponto de vista historiográfico, o trabalho de Shōhaku tem sido interpretado como parte de uma vertente excêntrica da pintura japonesa, alinhada à escola Zenga e influenciada pelo Zen, em que a estranheza e a ruptura visual operam como estratégias de transcendência estética e espiritual. A inclusão do oni azul, neste caso, não é apenas decorativa ou narrativa, mas serve para destacar o contraste moral e visual entre o plano da ignorância e o da iluminação.
A linguagem visual do pergaminho é marcada pelo uso vigoroso do traço a tinta, de composição vertical e vazios calculados — elementos que refletem tanto a herança chinesa quanto uma reinvenção local que caracteriza a produção de Shōhaku. O oni azul se inscreve, assim, em uma longa tradição de representação do monstruoso como espaço liminar, onde o terror e o sagrado se encontram.
Na representação de Vishnu Vishvarupa, a divindade hindu é retratada em sua forma cósmica total — o azul profundo de sua pele não é apenas um atributo iconográfico tradicional, mas um veículo simbólico que comunica sua natureza transcendental e infinita. Este azul denso e luminoso corporifica o divino que se manifesta como o próprio universo: é a cor do céu ilimitado e do oceano primordial, reinos onde o visível e o invisível se encontram.
A composição, elaborada em aquarela opaca e detalhes em ouro sobre papel, apresenta a divindade em múltiplas faces e membros, cada elemento incorporando diferentes aspectos da existência cósmica. O azul aqui opera como um campo unificador que harmoniza esta multiplicidade divina — é simultaneamente corpo e cosmos, imanência e transcendência.
Esta representação de Vishvarupa ("forma universal") pertence à tradição pictórica de Jaipur do início do século XIX, período em que influências estéticas mogóis já haviam sido incorporadas às tradições locais rajastânicas. O uso do azul como significante do divino reverbera tanto nas práticas devocionais hindus quanto na rica tradição cromática indiana, onde esta cor é associada à proteção, à preservação e ao infinito. Através desta escolha cromática, o artista inscreve o corpo divino numa dimensão que transcende as limitações materiais — um azul que é menos representação e mais manifestação de uma realidade além da percepção ordinária.
Exposição:
ESPELHO REFLETIDO – O Surrealismo e a Arte Contemporânea Brasileira
2012
Curadoria: Marcus de Lontra Costa
Exposição:
ESPELHO REFLETIDO – O Surrealismo e a Arte Contemporânea Brasileira
Curadoria: Marcus de Lontra Costa Inauguração: 09 de junho de 2012 Exposição: 10 de junho a 29 de julho
O Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica inaugura sábado, nove de junho, às 17h, a exposição Espelho Refletido – O Surrealismo e a Arte Contemporânea Brasileira, com cerca de 200 obras de 57 artistas em atividade no Brasil. A exposição apresenta pinturas, esculturas, objetos estáticos e em movimento; vídeos e performances que em sua poética contém narrativas estranhas, paradoxais, fantásticas e absurdas. A partir da ótica surrealista, são explorados o caráter provocativo e diversificado de nossa produção artística atual. Espelho Refletido mostra como alguns representantes da chamada arte contemporânea, ao invés de afirmarem bruscas rupturas, buscam negociar com alguns dos mais marcantes postulados da arte moderna. Segundo o curador Marcus Lontra as pesquisas de Dalí, Magritte, Max Ernest, Man Ray e Marcel Duchamp foram fundamentais na afirmação do modernismo na Europa e nas Américas. “Aqui no Brasil, momentos-chave da epopeia modernista de nossas artes visuais e literatura são reflexos diretos dos avanços das tropas surrealistas: Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem – nos fala o Manifesto Antropófago, um ritual artístico e cultural tropicalmente surreal. E o que dizer, é claro, da figura tragicômica do “Abaporu” de Tarsila do Amaral, dos corpos bizarros e andrógenos nas pinturas de Ismael Nery, do mundo sem peso de Cícero Dias; do anti-herói Macunaíma; da “pedra no caminho” do poeta Carlos Drummond de Andrade; da Praça dos Três Poderes de Oscar Niemeyer, cercada de palácios de vidro flutuantes?”, afirma categórico. “O público vai fazer associações com diversas as expressões artísticas ao longo da história e vai perceber que o surrealismo está presente e faz parte da realidade cultural brasileira”, completa.
ARTISTAS: Adriana Varejão – Alexandre Mury – Alexandre Mazza – Ana Linnemann – Ana Miguel – Ângelo Venosa – Armando Queiroz – Barrão – Brígida Baltar – Bruno Borne – Camila Soato – Camille Kachani – Carlos Melo – Cristina Salgado – Eduardo Coimbra – Ernesto Neto – Fábio Magalhães – Felipe Barbosa – Felipe Bittencourt – Flávia Metzler – Francisco Hurtz – Franklin Cassaro – Gabriela Mureb – Gilvan Nunes – Hildebrando de Castro – James Kudo – Janaína Tschäpe – Jeanete Musatti – João Bosco – Jorge Duarte – José Paulo – José Rufino – Kátia Maciel – Kilian Glasner – Leo Brizola – Lia Menna Barreto – Luciano Zanette – Luiz Mauro – Luiz Zerbini – Marcos Chaves – Mariana Manhães – Nazareth Pacheco – Nelson Maravalhas – Nino Cais – Paulo Almeida – Paulo Climachauska – Pedro Paulo Domingues – Pedro Varela – Roberto Magalhães – Rodrigo Braga – Shima – Thiago Martins de Melo – Ueliton Santana – Vicente de Mello – Victor Arruda – Wagner Willian