Detalhes / OBRA DE ARTE
Título: Icarus/Jazz
Criador: Alexandre Mury
Data de criação: 2011
Tipo: fotografia
Meio: C-print (impressão cromogênica)
Período da Arte: Contemporâneo
Movimento/Estilo: Arte Conceitual, Arte Performática
Assunto: autorretrato, releitura, azul, jazz, dança, faísca, bailarino
Obras Relacionadas: "Icarus-Jazz", 1947, Henri Matisse
Artistas Relacionados: Henri Matisse
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A obra "Icarus/Jazz" (2011) de Alexandre Mury é uma releitura performática da célebre composição "Icarus" de Henri Matisse, presente na série "Jazz" de 1947. Nesta interpretação contemporânea, Mury utiliza seu próprio corpo como meio de expressão, vestindo uma roupa segunda-pele preta que delineia sua silhueta, replicando a postura enérgica da figura original de Matisse, que sugere um movimento de dança ao equilibrar-se na ponta do pé, com o corpo pendendo para o lado, abrindo os braços como se fossem asas.
A composição de Mury incorpora elementos simbólicos que dialogam com a obra de Matisse, ao mesmo tempo em que introduz novas camadas de significado. No peito da figura, onde Matisse posicionou uma forma abstrata e redonda, de cor vermelha, que pode ser interpretada como uma ferida, Mury coloca um recorte de cartolina vermelha em forma de coração, enfatizando a vulnerabilidade e a paixão humanas. No fundo azul da lona de plástico, que remete ao espaço celeste, Mury substitui as estrelas da obra original por velas de aniversário acesas, cujas faíscas efêmeras evocam tanto celebração quanto a transitoriedade da vida ou podem lembrar explosões. A performance de Mury abrange desde a concepção da cenografia até a execução fotográfica, evidenciando uma abordagem que transcende a mera representação visual.
Através dessa releitura, Mury não apenas homenageia a tradição artística, mas também a desafia, convidando o espectador a refletir sobre a natureza da imagem e da subjetividade na sociedade contemporânea. Matisse deu o título "Icarus/Jazz" posteriormente, a fim de direcionar a interpretação da obra, fundindo o mito de Ícaro com a improvisação e a liberdade associadas ao jazz. Matisse intervém na obra ao dar um título que desvia as intenções e inspiração originais, e Mury mantém o enigmático Ícaro, sugerindo pistas que dialogam diretamente com a história da feitura da obra original.
Nas últimas décadas de sua vida, Matisse começou a trabalhar em ilustrações para um livro de poemas usando uma técnica de recorte de papel pintado com guache e colagem. Os recortes formaram os protótipos das imagens impressas no livro ilustrado Jazz. O Jazz de Henri Matisse é um dos livros de artistas mais proeminentes da história da arte moderna.
Matisse iniciou o jazz durante um período de turbulência. Ele ainda estava sofrendo os efeitos de sua doença; sua ex-esposa Amélie, junto com sua filha Marguerite e seu filho Jean, ingressaram na Resistência Francesa. Consequentemente, o Jazz tem uma dimensão política e suas imagens coloridas estão repletas de sutis códigos que significam agressão, perigo e opressão.
Matisse, filho de um comerciante de tecidos e neto de um tecelão de linho, recortou um homem de papel, uma figura lânguida caída e o coração vermelho ardente, montado em um fundo preto e salpicos amarelo estrelados. Ele o chamou de "A Queda de Ícaro". Embora a maioria das imagens seja sobre o circo. Matisse concordou com o título sugerido pela Editora considerando coerente com a “improvisação cromática e rítmica”.
Ícaro parece bailar ao som do jazz ou a cambalear como equilibrista, saltando como trapezista, voando pelos ares com holofotes circenses ao fundo. Matisse criou a obra, em 1943, quando o exército alemão invadiu a França. Na época, Matisse era um inválido acamado e se recuperava de uma cirurgia de câncer abdominal.
Louis Aragon, poeta e escritor francês, baseando-se nos comentários confidenciais do próprio Matisse, afirma que os amarelos representavam explosões e o detalhe vermelho uma mancha de sangue. Ícaro se torna um corpo após a execução, Matisse criou a imagem de um cadáver de um soldado da resistência abatido pelos nazistas. O corpo flácido em queda tem o coração perfurado por tiros.
— "Un moment si libres ne devrait-on pas faire accomplir un grand voyage en avion aux jeunes gens ayant terminé leurs études."
— "Os jovens que terminaram os estudos não deveriam ser levados para uma longa viagem de avião?"
Depois de concluir a série de ilustrações para o Jazz, Matisse desejou inserir textos com sua própria caligrafia entre as imagens coloridas como um respiro rítmico e compositivo. Ele afirmou que sua escrita não era para explicar ou interpretar as imagens, mas formar um acompanhamento visual.
O título da obra alude a história da figura mítica que desejava voar e quase se afogou quando seu voo não deu certo. Matisse usou a história para expressar sua preocupação com os filhos Marguerite e Jean. A filha era membro da clandestina Frente Nacional e da organização Francs Tireurs et Partisans Français.
Matisse surge como um ativista silencioso contra a ocupação alemã da França. A guerra termina em 1945 e o livro foi publicado em 1947. Em cada página do Jazz, Matisse refletiu sobre as circunstâncias horríveis de guerra, doença e separação de sua família. Ao mesmo tempo, suas imagens ousadas, deslumbrantes e coloridas oferecem reflexão e até alegria.
Assim como Ícaro descontextualizado, há um Lobo muito improvável como animal de circo, em uma das obras, uma criatura de aparência ameaçadora que Matisse faz disfarçadamente referência à Gestapo. Em abril de 1944, sua ex-esposa e sua filha foram presas pela Gestapo. Sua filha foi torturada e desfigurada.
"O coração" estilizado aparece muito evidente em uma das obras da série Jazz. Mas em "A Queda de Ícaro", no peito é o sangue respingado de um corpo abatido ou a representação poética do coração apaixonado e flamejante. Já em "Icarus" é o furo redondo em um corpo alvejado, atingido na região do peito onde se localiza o coração.
Enquanto o coração vibra em seu nicho, a silhueta do manequim permanece vazia – espectral. No coração desse enigma está a pulsão absurda de um humano-máquina, capturada no momento preciso antes dos Surrealistas transformarem o sonho em arte.
Na tradição metafísica de De Chirico, o coração aparece descolado do corpo, quase como um objeto arqueológico. Não é romântico, nem anatômico: é um fragmento simbólico, suspenso num espaço onde o tempo não se define.
A obra foi pintada em abril‑maio de 1914, durante a fase metafísica de de Chirico (1909‑1919), marcada por atmosferas oníricas, perspectiva elíptica e objetos carregados de simbolismo. De Chirico buscava, em Nietzsche e Schopenhauer, ideias sobre o enigma da existência e a “segunda aparência” das coisas – a poética do oculto.
Já visível aqui é o interesse pela metamorfose de estátuas em figuras de manequim. Nesse quadro, a linha de giz esboça um contorno seco e mecânico — assinalando a transição do ser humano ao objeto inanimado — o que se aprofundará nos anos seguintes.
Embora derivada de uma estética neoclássica, esta tela introduz tensão, uma perturbação do ordenado, caminhando para a abstração psicológica. André Breton cita “quotidian magic” nas obras de de Chirico, incluindo esta, estendendo o enigma projetado como motor do Surrealismo.
Klee estava explorando variações iconográficas ligadas à “dama de copas” nesse período de transição para o vocabulário geométrico-sinalético que caracteriza muitos trabalhos dos anos 1920.
A linguagem reduzida de sinais e áreas de cor plana insere-se na investigação que Klee fazia, na década de 1920, sobre módulos geométricos, sinais gráficos e uma gramática pictográfica pessoal.
A convivência intensa com teoria de cor, estrutura e ensino interdisciplinar reforça seu interesse em modularidade, relações formais e sistemas visuais comparáveis a escrita, música e diagrama.
A “dama de copas” carrega ecos de baralho, destino, jogo, acaso e papel social/gênero; em Klee, signos lúdicos frequentemente funcionam como chaves para o “teatro metafísico” — um palco onde gestos psíquicos se tornam visíveis (ver discussão mais ampla sobre teatralidade e máscaras em Klee). Ao simplificar a figura feminina a sinais — corpo-totem, corações, esquemas — ele fricciona o clichê romântico relacionado ao naipe de “copas” (amor) com uma desmontagem irônica do corpo e do erotismo idealizado. Assim, corações deixam de ser puro sentimentalismo e tornam-se marcadores críticos dentro de um sistema gráfico.
Composição em forma de cruz pálida vermelho‑rosada que se estende quase por toda a folha; no centro, um pequeno coração vermelho. Em cada canto, elementos reduzidos em estilo infantil: cabeça estilizada (canto sup. esq.) com faixa branca e olhos azuis circulares; em sequência horário, bastões com mão; depois mão+pé; depois pé — todos em vermelho pálido sobre manchas cinza‑azuladas. Fundo branco quebrado com leves sombreados cinza/azul.
O título pode ecoar o ambiente festivo-lúdico (e por vezes satírico) que permeava a comunidade Bauhaus — há registro de um “bart‑herzen‑nase‑fest” (festa barba‑corações‑nariz) em Dessau em 1928, evento que envolveu alunos como Herbert Bayer. O período coincide com mudanças administrativas: Gropius deixa a direção em 1928; Hannes Meyer enfatiza função social; e, sob pressões políticas crescentes, a escola atravessa turbulências que antecedem a saída de Klee (ele aceita cargo na Academia de Düsseldorf em 1931). Esses dados ajudam a ler a obra como produto de um clima onde pedagogia, experimentação simbólica e humor coexistiam com tensões externas.
Estudos interpretativos veem a imagem como uma representação velada de Cristo — a cruz, membros periféricos, cabeça separada — porém tratada com humor gráfico quase blasfemo. A leitura propõe que Klee, ciente do processo por blasfêmia movido contra George Grosz, teria suavizado ou mascarado alusões explícitas para evitar acusações similares; desse modo, o coração (centro) e os “membros” reduzidos resistem entre devoção, ironia e distanciamento ateu atribuído a Klee em documentação textual. Essa ambiguidade entre símbolo sagrado e diagrama infantilizado é típica de sua estratégia de “tornar visível” camadas espirituais sem submissão a dogmas.
Uma linha vermelha serpenteia verticalmente — exemplo paradigmático do método que Klee descrevia como “pegar uma linha para passear” (taking a line for a walk) — contornando testa franzida, nariz, boca tensionada, multiplicando perfis (esquerda/direita/frontal) num único campo facial fantasmático. As bochechas rosadas contrastam com olhos em forma de lágrima e com o coração pintado de preto, isolado sob o rosto: um choque cromático que dramatiza a energia vital obscurecida. O contorno rarefeito da cabeça e ombros, quase ectoplásmico, reforça a instabilidade da identidade refletida nesse “espelho”.
Pintada pouco depois de Klee ter sido rotulado como “artista degenerado” pelo regime nazista (1933) e ter deixado a Alemanha rumo à Suíça, evento que tingiu de desencanto grande parte de sua produção do período. O fechamento do Bauhaus sob pressão nazista, a censura e o enquadramento de artistas modernos como “degenerados” atingem diretamente Klee; ele deixa a Alemanha e volta para a Suíça natal, onde sua saúde também começaria a declinar alguns anos depois.
O célebre princípio pedagógico de Klee — “uma linha ativa em passeio, movendo-se livremente, sem objetivo” — tornou-se um fundamento para pensar a gênese da forma no Bauhaus; aqui, porém, a linha encontra “resistências” emocionais: sulcos de preocupação, colisões entre nariz e boca, e finalmente o coração negro que age como ponto de parada simbólica. Essa fricção entre liberdade gestual e trauma histórico encarna, de modo sintético, a passagem do otimismo experimental dos anos Bauhaus à interiorização melancólica dos anos 1930.
O azul intenso que recobre a abóbada celeste da Capela Scrovegni não é apenas cor — é atmosfera espiritual. Executado por Giotto no início do século XIV, este céu estrelado de fundo ultramar é uma das expressões mais sublimes da transição entre o imaginário bizantino e as novas sensibilidades do pré-Renascimento. Cada estrela dourada, de oito pontas, funciona como um signo cósmico: não há aqui uma representação astronômica, mas sim uma constelação teológica, onde o firmamento não se vê com os olhos, mas com o espírito.
A geometria é exata, mas opera no plano do sagrado. As estrelas estão distribuídas com rigor simbólico, convertendo o teto em um campo de energia espiritualizada. É como se estivéssemos sob o manto da Virgem, ou dentro da própria ideia de eternidade. O azul — derivado do valioso lápis-lazúli, extraído de regiões distantes como o Afeganistão — tem espessura quase mística: profundo, denso, absoluto. Ele não recobre, mas envolve. Não ilustra o céu, mas o invoca.
A luz que emana dessas estrelas não obedece às leis físicas. É uma luz interior, contemplativa, que suspende o tempo. Estamos diante de uma luz não-natural, mas teológica, cuja função não é clarear a matéria, e sim revelar o invisível. Aqui, o céu é uma superfície simbólica onde a pintura se oferece como epifania.
Millet criou essa pintura no final da vida. O tema remete a uma memória de infância, quando ele vivia em Gruchy, na Normandia: caçadas noturnas a bandos de pombos que migravam em massa, com pessoas usando tochas para atordoar as aves e bastões para derrubá-las, enquanto crianças recolhiam os animais abatidos. Em francês, a obra às vezes aparece como Chasse aux oiseaux par lumière des torches.
É uma obra incomum na produção de Millet — diferente da serenidade e estabilidade de suas cenas rurais anteriores. Aqui vemos intensa energia e turbulência: sombras e luz de tochas, movimento frenético dos caçadores, nuvens de pássaros em voo confuso — quase uma pintura expressionista antecipada ao seu tempo.
Fica claro como esta pintura se destaca no conjunto da obra de Millet: nela, formas são dissolvidas pelo jogo de luz e sombra, e os gestos dos personagens são carregados de emoção — quase como um abstract expressionism do século XIX.
Van Gogh era fascinado pelos efeitos da luz noturna e buscava capturar a beleza do céu estrelado e das reflexões luminosas na água. "Starry Night Over the Rhône" é uma das três pinturas que ele criou em setembro de 1888 com o céu noturno como tema central. A pintura retrata a vista do cais na margem leste do rio Ródano, olhando para o sudoeste em direção à cidade de Arles. As luzes a gás da cidade refletem na água azul do rio, criando um efeito cintilante. No primeiro plano, um casal caminha à beira do rio, adicionando um elemento humano à cena.
Van Gogh utilizou cores como azul da Prússia, ultramarino e cobalto para o céu e a água, contrastando com os amarelos brilhantes das estrelas e das luzes da cidade. Essa paleta de cores cria uma atmosfera mágica e serena. A pintura exibe contraste vibrante entre azuis profundos do céu e do rio e os amarelos intensos das luzes artificiais, refletindo técnicas que Van Gogh desenvolveu ao ressignificar os valores cromáticos herdados de Millet.
A representação da noite em Van Gogh reflete suas memórias de cenas de Millet, mas reinterpretadas com emoção, fantasia cromática e uma pulsão espiritual. Em suas pinturas após gravuras de Millet, Van Gogh explorou o chiaroscuro noturno por meio do contraste entre luzes quentes e sombras frias, sobretudo usando violeta, verde e ocre para capturar atmosferas de final de dia ou noite de forma intensa.
No centro da composição, uma imponente lâmpada elétrica irradia raios que se estendem como um halo pontilhista — pinceladas curtas, vibrantes — que tomam o espaço escuro, atropecem o brilho da lua crescente. A geometria em V e os fragmentos coloridos sugerem pulsação, ritmo; a lâmpada torna-se explosão lumínica, uma estrela elétrica urbana.
Balla emerge do movimento divisionista (inspirado em Seurat/Signac), mas, impulsionado por Marinetti, alinha-se ao futurismo em 1909. Street Light representa a transição: a luz elétrica destrói o “romântico” luar — eco do manifesto “Uccidiamo il chiaro di luna!”
A obra foi comprada pelo MoMA em 1954; reconhecida como obra‑símbolo da fusão entre arte e tecnologia. A crítica vê o quadro como “dinâmica depicção da luz”, expressando “um senso de velocidade e urgência” que encarna o espírito do futurismo
Lichtenstein apropria-se da estética dos quadrinhos, traduzindo explosões narrativas em formas gráficas planas e impactantes. Neste Explosion, ele reduz o acontecimento a um símbolo puro: linhas retas irradiando de um núcleo vermelho‑amarelado, contorno em preto e nuvens pontilhadas com a técnica Ben‑Day. Não há texto ou contexto narrativo – apenas a imagem do estilhaçamento visual em sua forma mais concisa e gráfica .
Dentro do contexto e época, o pop-industrial, surge em meio à Guerra Fria, vietnam, mídia impressa, massificação visual — a explosão de Lichtenstein é também crítica sobre como a luz (visão) é codificada e consumida pela cultura de massa; é luz não natural, mas luz-reprodução, saturada, controlada, artificial.
A partir de Matisse, que reduziu as estrelas a símbolos gráficos, abre-se uma linha de pesquisa sobre a abstração da representação do foco de luz, partindo da simplificação estética até assumir carga simbólica e fenomenológica. Roy Lichtenstein, com Explosion (1967), transforma a explosão em signo gráfico puro, usando pontilhismo Ben‑Day e contorno rigoroso para evidenciar a luz como evento visual e símbolo pop.
Uma figura feminina em traje claro ocupa a verticalidade estreita da tela; o vestido se abre em pinceladas longas, cintilantes, que parecem estilhaçar‑se em fagulhas luminosas contra um campo escuro noturno. A matéria pictórica “varre” a superfície: pinceladas diagonais, filamentos, véus de luz — o tecido vira clarão pirotécnico. A cabeça e o torso emergem mais definidos; abaixo, a forma se volatiliza em trânsitos de brilho, como rastros de fogos que se desfazem no ar. Esse efeito de dissolução figura‑corpo‑luz é típico do gestual veloz que rendeu a Boldini o apelido de “Master of Swish”.
Boldini consolida sua carreira na Paris da Belle Époque, circulando entre elites cosmopolitas e ambientes de entretenimento noturno onde luz artificial, festas e exibições públicas (incluindo fogos) faziam parte do repertório urbano moderno. Sua pincelada rápida dialoga com a sensação de movimento, velocidade e cintilação elétrica associadas ao fim de século; alguns comentaristas chegam a relacionar obras como Fireworks ao fascínio por eletricidade e efeitos luminosos emergentes.
Representações de fogos antecedem Boldini em gravuras festivas europeias que descrevem arcos e cachoeiras de luz; a iconografia recorrente enfatizava rastros contínuos — quase fontes flamejantes suspensas. No século XIX, artistas começam a explorar a brevidade, o borrão e a abstração da luz em movimento: pense em Whistler, Nocturne in Black and Gold: The Falling Rocket (cenas de fogos sobre os Cremorne Gardens) onde forma se dissolve na noite; depois, já no início do século XX, Giacomo Balla, Street Light (Lampada ad arco) leva a observação de luz artificial ao paroxismo futurista, celebrando a vitória da eletricidade sobre o luar. Boldini situa‑se nesse arco: entre a atmosfera noturna tonalist a de Whistler e o futurismo luminoso de Balla, seu Fogos de artifício converte a figura feminina em descarga de energia social e ótica.
A imagem mostra Eminem, nu ou quase nu, segurando um bastão de dinamite acesa posicionado de forma altamente simbólica. O gesto sugere uma erótica explosão iminente—um corpo à beira de detonar, literal e metaforicamente—a expressão visual de ascensão, risco, virilidade performada e celebração da fama. A estética de LaChapelle transforma celebridade em arquétipo mítico, como um Ícaro prestes a incendiar-se.
LaChapelle é conhecido pela saturação extrema de cores, iluminação artificial hipercontrolada e cenários altamente estilizados. Em About to Blow, predominam tons vibrantes, iluminação frontal intensa, foco no corpo e nos detalhes (tatuagens, pele, dinamite), criando uma teatralidade quase barroca e surreal.
Eminem como figura pop-mítica, reconstruída com artifícios visuais que evocam tanto iconografia religiosa quanto cultura kitsch e pós-irônica — muito próximo da abordagem de releitura de Ícaro, que mistura signos históricos, mitológicos e midiáticos.
Eminem, com a dinamite, parece brincar com seu próprio mito explosivo — a supercelebridade em combustão controlada. Este grau de consciência performativa aproxima-se do jogo de signos presente na releitura muryana do Ícaro, onde o corpo assume significados em tensão entre ascensão, perigo e desconstrução.
"Retrato Performáticos"
Alexandre Mury, Edouard Fraipont, Marcela Tiboni, Rodrigo Braga, Flávia Bertinato, Marcelo Amorim, Leandro Lima e Gisela Motta.
EXPOSIÇÃO “RETRATOS PERFORMÁTICOS”
Quando: De 15 de março a 06 de maio.
Núcleo da Imagem e da Palavra do SESC Vila Mariana - São Paulo, SP