Detalhes / OBRA DE ARTE
Título: O Anjo do Lar
Criador: Alexandre Mury
Data de criação: 2011
Tipo: fotografia
Meio: C-print (impressão cromogênica)
Período da Arte: Contemporâneo
Movimento/Estilo: Arte Conceitual, Arte Performática
Assunto: autorretrato, releitura, sacolas de plástico, cores, linha do horizonte, externa, paisagem, parangolé
Obras Relacionadas: The Fireside Angel (The Triumph of Surrealism); L’ange du foyer (Le triomphe du surréalisme), 1937, Max Ernst
Artistas Relacionados: Max Ernst, Helio Oiticica
⚿ Palavras-chave
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A obra O Anjo do Lar (2011), de Alexandre Mury, é uma fotografia performática que se destaca por sua abordagem conceitual e visualmente impactante. Nela, o artista apresenta-se com o corpo coberto por sacolas de plástico, criando uma imagem que suscita reflexões sobre consumo, identidade e a relação entre o ser humano e o meio ambiente. A obra integra a série de tableaux vivants de Mury, na qual ele reinterpreta obras canônicas da história da arte, incorporando elementos contemporâneos e críticos.
A composição da fotografia é marcada pelo uso de sacolas plásticas, que cobrem o corpo do artista de maneira quase escultórica. Esse recurso visual sugere uma leitura sobre o excesso de consumo e o impacto ambiental do plástico, material que se tornou onipresente no cotidiano moderno. As cores vibrantes das sacolas contrastam com a figura humana, gerando uma tensão entre o esteticamente atraente e o simbolicamente perturbador. A escolha de materiais banais e cotidianos, como sacolas plásticas, é uma característica recorrente no trabalho de Mury, que busca questionar o valor simbólico dos objetos e sua relação com a cultura de massa.
A obra estabelece um diálogo intertextual com The Fireside Angel (The Triumph of Surrealism), de Max Ernst, uma pintura que retrata uma figura alada e ameaçadora, símbolo do caos e da destruição. Mury, ao reinterpretar essa figura, transforma-a em uma metáfora do mundo contemporâneo, onde o plástico, material aparentemente inofensivo, torna-se uma presença sufocante e onipresente. As sacolas plásticas, em vez de asas, cobrem o corpo do artista, sugerindo uma crítica à sociedade de consumo e à degradação ambiental.
A performance de Mury em O Anjo do Lar também evoca a tradição dos parangolés de Hélio Oiticica, nos quais o espectador é convidado a interagir com a obra, vestindo-a e movimentando-se. No entanto, em vez de tecidos coloridos, Mury utiliza sacolas plásticas, reforçando a ideia de que o lixo e o descarte são elementos intrínsecos à realidade contemporânea. Essa releitura crítica e irônica é uma marca do artista, que constantemente desafia as convenções da arte e da sociedade.
Além disso, a obra reflete uma preocupação com a ressignificação de ícones culturais e históricos. Ao se apropriar da figura do "anjo", Mury a transforma em um símbolo ambíguo, que pode ser interpretado tanto como uma crítica ao consumismo quanto como uma metáfora da fragilidade humana diante das forças globais. A presença do corpo do artista, coberto e quase invisível sob as sacolas, reforça a ideia de que o indivíduo está subjugado por um sistema que o consome e o descarta.
Em síntese, O Anjo do Lar é uma obra que combina estética e crítica de forma potente. Através do uso de sacolas plásticas, Mury cria uma imagem que é ao mesmo tempo bela e perturbadora, convidando o espectador a refletir sobre questões urgentes como o consumo, a identidade e a sustentabilidade. A obra se insere em uma prática artística que une performance, fotografia e crítica social, oferecendo múltiplas camadas de interpretação e diálogo com a história da arte e a cultura contemporânea.
Max Ernst provoca seu público a questionar suas próprias crenças ao chamar tal figura de anjo. O título deste trabalho foi uma manobra direta para intrigar e envolver o espectador.
Ernst pintou O Anjo do Lar logo após a derrota dos republicanos espanhóis na Guerra Civil Espanhola. O objetivo de Ernst era retratar o caos que ele via se espalhar pela Europa e a ruína que o fascismo traz aos países.
Pintado em três variações, em 1937, em Paris. A obra foi renomeada pelo artista, em 1938, para O Triunfo do Surrealismo — uma referência e uma reação ao fato de que os surrealistas, com suas ideias comunistas, estiveram fragilizados diante do fascismo.
Ernst com suas imagens oníricas foi um dos primeiros artistas a aplicar as teorias dos sonhos de Sigmund Freud a fim de explorar a fonte de sua própria criatividade.
Max Ernst se esforçou para criar uma pintura sugestiva do caos que ele temia estar se espalhando pela Europa e denunciar a corrupção presente em governos controlados por militares. Mais tarde, o pesadelo que ele temia, após a Guerra Civil Espanhola, se torna realidade.
Paul Klee conheceu Kubin pessoalmente em 1901, quando ainda era um estudante de arte. A influência de Kubin em Klee pode ser observada em seus primeiros trabalhos, nos quais Klee também explorou temas sombrios, alegóricos e fantásticos. Durante esse período, Klee experimentou com técnicas de desenho e gravura, explorando os limites da realidade e criando uma atmosfera onírica semelhante à de Kubin.
Dois anos após o voo bem-sucedido dos irmãos Wright em 1903, Klee abordou o desejo humano de voar com um sarcasmo cético. Klee era fascinado pela ideia de voar e explorava simbolicamente esse conceito em suas obras. Suas primeiras impressões, incluindo as gravuras, revelam sua abordagem crítica e suas reflexões sobre temas sociais e humanos.
Paul Klee não foi aceito na Academia de Artes de Munique e ingressou em uma escola particular de pintura. Mais tarde, ele estudou com Franz von Stuck, mas isso não trouxe nenhuma mudança especial em sua vida. Ao mesmo tempo, o desejo pelas belas artes não diminuiu; ele se engajou em aprender de forma autodidata. No período de 1904 a 1905, Klee realizou uma dezena de gravuras feitas na técnica original de desenho com agulha sobre vidro, inventado por ele. Um ano depois, essas gravuras satíricas foram exibidas na Secessão de Munique, despercebidas pela crítica e pelo público.
Max Ernst mostrou interesse em práticas artísticas como a aquarela, que também foi explorada por Klee. Ambos os artistas valorizavam a liberdade expressiva e a experimentação técnica, o que pode ter contribuído para uma influência indireta de Klee. Ernst, por sua vez, desenvolveu seu próprio estilo surrealista distintivo, explorando técnicas como colagem, frottage (esfregação) e grattage (raspagem) em suas obras.
Embora não haja evidências diretas de uma relação próxima entre Klee e Ernst, a influência indireta de Klee sobre Ernst pode ser observada em algumas semelhanças estilísticas e temáticas. Ambos os artistas compartilhavam um interesse pela experimentação formal e uma tendência a combinar elementos diversos em suas obras. Eles também compartilhavam uma abordagem simbólica e misteriosa, evocando imagens e formas que transcendiam a realidade convencional.
Alfred Kubin foi descrito em sua época como "o Goya austríaco do século XX".
Em 1898, Kubin foi para Munique estudar arte, porém, logo começou a faltar assiduamente à Academia. Durante uma visita à galeria de arte de Munique, ele conheceu a obra de Max Klinger, o que influenciou seu caminho em direção ao desenho e despertou sua preferência pelo mundo da noite, pelo misterioso e pelo pesadelo.
Isso marcou o início de uma fase de grande atividade em que Alfred Kubin, já familiarizado com os grandes mestres, desenvolveu consistentemente sua técnica. As obras desse período são principalmente desenhos com temas fantásticos, frequentemente macabros, fortemente influenciados por Klinger e Goya.
Em 1903, ele colaborou com uma revista satírica e tornou-se frequentador assíduo de círculos nos quais conheceu importantes artistas e escritores da época, como Klee, Kafka, Marc, Kandinsky, entre outros. No mesmo ano, sua primeira coleção de desenhos foi publicada por Hans von Weber, que se tornou seu patrono. Algumas dessas obras, como "Der Krieg", antecipam a atmosfera de devastação e morte após a Primeira Guerra Mundial, o que faz com que Kubin seja considerado por muitos um visionário.
Francisco de Goya viveu no final do século XVIII e início do século XIX, durante um período turbulento na história da Espanha, que incluiu a Guerra Peninsular e a ocupação francesa. Esses eventos tiveram um impacto significativo em Goya e em sua produção artística. Goya criou a série de gravuras intitulada "Os Desastres da Guerra", na qual "O abutre carnívoro" faz parte.
Pablo Picasso, por sua vez, viveu durante o século XX, período marcado por duas guerras mundiais e conflitos sociais e políticos intensos. "O corpo do Minotauro vestido de Arlequim" é uma obra criada em 1936, durante a Guerra Civil Espanhola. Goya exerceu uma influência significativa na obra de Picasso, tanto em termos temáticos quanto em técnicas artísticas.
A influência de Goya em 'O Anjo do Lar' de Ernst é mais especulativa do que fundamentada em evidências concretas. As tês obras estão conectadas através de temas comuns, como a questão da guerra e a presença de uma figura misteriosa de um pássaro. Os pássaros são recorrentes nas obras de Max Ernst, sendo uma figura emblemática em seu repertório surrealista.
Em junho de 1936, Picasso concordou em criar a cortina de palco para o uma peça de teatro. Os curtíssimos prazos da encomenda não lhe permitindo executar uma obra original, decidiu então ampliar um pequeno guache que ficou incubido a Luis Fernandez, pintor e amigo de Picasso.
Contudo, Picasso faz um retoque acentuando a firmeza da linha com alguns toques de tinta preta e adiciona reflexos brancos na coroa de flores e no casaco do arlequim.
O minotauro morto nos braços de Teseu (o Hórus Teseu com cabeça de falcão) não tem nenhum vínculo iconográfico ou narrativo com a peça de Romain Rolland. Picasso era obcecado por alusões com referência à mitologia e às touradas.
Pablo Picasso e Max Ernst eram amigos e apesar da influência mútua possuíam estilos e abordagens artísticas distintas.
Embora Picasso seja mais conhecido por seu trabalho no cubismo, sua exploração e incorporação de elementos surrealistas fica evidenciada na representação de formas distorcidas e fantásticas em suas pinturas.
As primeiras obras de Ernst exibem uma abordagem cubista em sua manipulação das formas e na representação dos objetos. O pássaro é um motivo recorrente na obra de Max Ernst, fundindo elementos humanos e animais. Assim com o nesta obra de Picasso essas representações visuais evocam a ideia de metamorfose e a exploração do inconsciente.
O Tormento de Santo Antônio” (c. 1487–88), atribuído a Michelangelo Buonarroti, é uma obra que, embora nascida da cópia de uma gravura de Martin Schongauer, revela desde cedo a inquietude criativa e a capacidade de transfiguração do jovem artista.
Segundo Giorgio Vasari, Michelangelo, ainda adolescente, copiou a gravura de Schongauer, mas não se limitou à reprodução literal. Ele introduziu alterações significativas: ajustou a inclinação da cabeça de Santo Antônio, modificou sua expressão, adicionou uma auréola e simplificou as dobras das vestes do santo. Além disso, acrescentou um cenário paisagístico abaixo das figuras, enriquecendo a composição com elementos não presentes na gravura original.
A comparação entre “O Tormento de Santo Antônio” e “The Fireside Angel” (1937) de Max Ernst revela convergências simbólicas e formais. Ambas as obras exploram o grotesco e o fantástico para expressar conflitos internos e coletivos.
Enquanto Michelangelo representa a luta espiritual de Santo Antônio contra demônios externos, Ernst personifica o caos e a violência do século XX em uma figura híbrida e ameaçadora. O uso de criaturas monstruosas em ambas as obras serve como metáfora para as angústias humanas, seja no contexto religioso medieval ou nas crises existenciais modernas.
Esta gravura é uma das mais emblemáticas do século XV, destacando-se pela representação vívida de São Antão sendo assediado por uma horda de demônios grotescos. A obra é notável pela combinação de realismo anatômico e imaginação fantástica, refletindo a maestria técnica de Schongauer no uso de linhas e hachuras para criar textura e movimento. A cena captura o momento em que o santo, símbolo de resistência espiritual, enfrenta tentações demoníacas, tema recorrente na iconografia cristã e que influenciou diversos artistas posteriores, incluindo Michelangelo.
Na monumental pintura de Marten de Vos (A Tentação de Santo Antônio, 1591–94), feita um século depois de Michelangelo Buonarroti — ter pintado uma versão, o tema é ampliado e dramatizado em escala barroca: o santo aparece em meio a um tumulto terreno repleto de monstros, luxúria, fogo e figuras alegóricas do vício e da tentação. Aqui, a cena se torna uma narrativa moralizante, mais teatral e didática – característica do maneirismo flamengo e da contrarreforma católica.
Enquanto Michelangelo reduz o conflito ao plano interno (o santo é vertical, imóvel, espiritualizado), Marten de Vos o projeta para o caos do mundo exterior. A monstruosidade ganha contorno alegórico, e a composição é profundamente centrada na sedução do olhar: mulheres nuas, serpentes, híbridos, fogueiras e objetos tentadores.
A obra de Michelangelo antecipa um aspecto essencial da arte moderna: a imagem como campo de batalha psíquica. Embora profundamente religiosa em origem, O Tormento de Santo Antônio já contém embriões de uma tensão que mais tarde seria explorada por artistas como Füssli, Goya e os surrealistas.
Nesse sentido, podemos encontrar ecos dessa composição na pintura “The Fireside Angel (The Triumph of Surrealism)” (1937), de Max Ernst – onde a figura grotesca e angelical, em pleno movimento destrutivo, evoca tanto os demônios que circundam Antônio quanto a ideia de um mundo em colapso espiritual. As cores e a confluência da figura central em Michelangelo e Marten de Vos também se reflete em Ernst, com outra carga simbólica: o anjo devastador como alegoria do irracional triunfante.
Ricky mostra a Jane seu mais belo vídeo: uma sacola plástica dançando ao vento.
"And this bag was just... dancing with me ... like a little kid begging me to play with it. For fifteen minutes. That's the day I realized that there was this entire life behind things, and this incredibly benevolent force that wanted me to know there was no reason to be afraid. Ever. Video is a poor excuse, I know. But it helps me remember ... I need to remember...
Sometimes there's so much beauty in the world ... I feel like I can't take it... and my heart is just going to cave in."
Na cena mais emblemática de Beleza Americana (1999), dirigida por Sam Mendes e roteirizada por Alan Ball, Ricky Fitts (Wes Bentley) compartilha com Jane uma gravação aparentemente trivial: uma sacola plástica dançando ao vento. A princípio, o gesto parece excêntrico, talvez até risível, mas logo se revela como um mergulho ontológico no invisível. A sacola, levitada e animada pelas correntes de ar, torna-se símbolo daquilo que escapa ao controle humano — o acaso poético — e da existência de uma força "benevolente", como ele diz, que se insinua por entre as fendas do ordinário.
Há algo de profundamente fúnebre no modo como Ricky conclui: “às vezes há tanta beleza no mundo que eu sinto que não aguento... e meu coração vai explodir” — é quase um eco pós-moderno da estética do sublime. Porém, ao contrário do sublime romântico (tempestuoso, grandioso), aqui o sublime é encontrado no ínfimo, no descartável. O artifício banal da sacola, um detrito urbano, transcende sua condição ordinária e se transforma em entidade dançante, efêmera e espiritual. A câmera estática de Ricky torna-se uma extensão de seu olhar poético, captando uma epifania que só se revela a quem consegue ver “a vida por trás das coisas”.
Assim como os Parangolés de Hélio Oiticica, que propunham uma arte viva, vestível e em constante transformação, O anjo do lar de Mury também aciona o corpo como suporte e meio expressivo. A justaposição de sacolas plásticas coloridas, penduradas e sobrepostas, remete à lógica sensorial e coreográfica dos parangolés — não como citação direta, mas como ressonância estética e política. O movimento do corpo torna-se linguagem. As cores vibrantes e o material banal, cotidiano, operam no campo do improviso e do acaso, mas nunca se afastam da construção crítica.
Oiticica não pensava o parangolé como mero ornamento: ele era gesto, presença e ruptura. Havia nele uma elaboração intelectual rigorosa, que visava desfazer as hierarquias entre arte e vida, obra e espectador. De forma semelhante, o corpo-monstro criado por Mury é um corpo-em-estado-de-alerta, um corpo-expansão. Ele se cobre de resíduos do consumo — e dança com eles. Há beleza, sim, mas há sufocamento, excesso e denúncia.
Se o parangolé celebrava a vitalidade da periferia e da invenção popular, O anjo do lar convoca também uma dimensão crítica: aquilo que cobre, que esconde, que adorna, também pesa. E no embate entre o espontâneo e o sufocante, entre o lúdico e o monstruoso, está o campo fértil da performance.
Segundo as palavras do artista, em “Anotações sobre o ‘Parangolé’”, de novembro de 1964:
“a ideia da ‘capa’, posterior à do estandarte, já consolida mais esse ponto de vista: o espectador ‘veste’ a capa, que se constitui de camadas de panos de cor que se revelam à medida em que este se movimenta correndo ou dançando”. A obra requer aí a participação corporal direta, na qual a ação é a pura manifestação expressiva, uma “transmutação expressivo-corporal do espectador, característica primordial da dança, sua primeira condição.
(OITICICA, H. Catalogue Raisonné, p.1. )
A obra simula um saco de lixo comum, como se estivesse abandonado em uma esquina qualquer, mas sua densidade material e sua condição museológica desestabilizam essa leitura imediata.
O gesto de Turk é simultaneamente iconoclasta e reverente: ao mesmo tempo em que eleva o banal à condição de arte, ele também expõe o quanto essa elevação depende do contexto institucional, da moldura do white cube, e da própria tradição escultórica ocidental. A estética do trompe l’oeil — enganar o olhar — aqui serve como crítica aguda: não é apenas o objeto que engana, mas a própria noção de valor artístico que se vê desnudada.
Há ainda uma dimensão política na obra. Ao tematizar o “lixo americano” — título da série — Turk nos força a encarar a obsolescência programada, o acúmulo e a estética do consumo, transformando o supérfluo em monumento. O que se joga fora? O que se conserva? Dump ironiza a história da arte, mas também inscreve o cotidiano em sua gramática — e é nesse jogo, entre o descartado e o consagrado, que a obra atinge sua potência crítica.
“Também há uma beleza nas sacolas e uma espécie de elegância nelas. Grande parte da história da arte é sobre a beleza das cortinas e tecidos.”
— Marc Quinn
A montagem de resíduos não biodegradáveis sobre tela e madeira se dá como um gesto pictórico expandido, em que cor, forma e matéria são extraídas diretamente da cultura do excesso e da saturação ambiental. Há nesse “pintar com lixo” uma potência formal que dialoga com a história da arte — em especial com a tradição das draperies, das cortinas, do caimento dos tecidos.
Ao dizer que “também há uma beleza nas sacolas e uma espécie de elegância nelas”, Quinn reconhece o caráter plástico e sensual desses materiais. Seus volumes inflados e suas dobras involuntárias reencenam a teatralidade do barroco, ao mesmo tempo em que denunciam a permanência tóxica do plástico na paisagem contemporânea. A obra atua, assim, em dois registros simultâneos: é tanto uma homenagem à forma quanto uma crítica à matéria.
Quinn não estetiza o lixo — ele o formaliza, o institucionaliza, e o coloca sob o olhar lento e contemplativo da arte, obrigando-nos a encarar a beleza como uma operação de deslocamento: do descartável ao duradouro, do invisível ao visível, do banal ao sagrado.
Na releitura do famoso "L'ange du foyer" de Max Ernst, Gaillard aborda essa icônica pintura transformando-a em um vídeo projetado em holograma. Nessa releitura, o artista confere movimento à criatura ameaçadora retratada na obra original de Ernst. Ao contemplar essa revisitação, é crucial compreender o contexto no qual Gaillard insere sua intervenção artística. Ao dar vida a essa criatura por meio da tecnologia holográfica, Cyprien Gaillard acrescenta camadas inovadoras à narrativa, incorporando elementos contemporâneos e tecnológicos, proporcionando uma experiência sensorial e reflexiva aos espectadores.
Essa releitura de "L'ange du foyer" torna-se, assim, uma ponte entre o passado e o presente, uma exploração da temporalidade e uma reflexão sobre a evolução das formas de expressão artística. Ao oferecer movimento a uma figura estática do século passado, Gaillard desafia as convenções e convida o público a contemplar a obra por meio de uma nova lente, destacando a contínua relevância da arte na contemporaneidade.